Valor econômico, v. 21, n. 5120, 04/11/2020. Brasil, p. A9

 

Pandemia pode elevar para 30% a abstenção

Isadora Peron

04/11/2020

 

 

Em 2016, mais de 25 milhões faltaram à votação, índice de 17,6%

Na reta final da campanha, uma preocupação tem assolado a Justiça Eleitoral: a possibilidade de a pandemia de covid-19 aumentar o número de abstenções nas eleições municipais. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, mantém uma posição otimista sobre o tema, mas uma ala do tribunal aponta que se esse índice pode chegar a 30%.

“Existe uma média histórica de abstenção de 20%. Eu tenho a expectativa de que essa abstenção não cresça, por paradoxal que possa parecer, porque as pessoas andam com grande motivação de participar do processo político”, disse Barroso em manifestação enviada ao Valor.

Nas últimas eleições municipais, em 2016, cerca de 25 milhões de eleitores deixaram de votar no primeiro turno, o que representou 17,6% do total. Esse número tem aumentado de maneira gradual nos últimos anos. Em 2004, por exemplo, esse índice foi de 14,2%.

Barroso aponta como sinal de que não haverá um salto neste patamar o fato de o TSE ter feito uma campanha para atrair mesários voluntários e obter mais de 929 mil inscrições. Ele também afirma que, nos últimos meses, “tudo o que poderia ser feito para garantir a saúde e a segurança de todos foi feito”. “Se for seguido adequadamente - com máscaras, ‘face shield’ e álcool gel -, o protocolo de segurança estabelecido será suficiente para garantir a saúde de todos”, defendeu.

Apesar do esforço do TSE para transmitir a mensagem de que será seguro comparecer aos locais de votação, especialistas ouvidos pelo Valor acreditam que a pandemia deve aumentar o patamar de abstenção.

“A gente tem algumas pesquisas de opinião que perguntaram sobre se as pessoas pretendem votar ou não. E essas pesquisas dão alguns indícios de que a abstenção deve aumentar. O que essas pesquisas não permitem a gente dizer é se vai aumentar de forma homogênea ou se vai variar de acordo com o estágio da pandemia em cada cidade”, disse a cientista política Lara Mesquita, do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp).

Ela aponta ainda outro fator que pode influenciar na decisão do eleitor comparecer às urnas. “Eu imago que essa abstenção não vai ser igual em todas as faixas etárias. As pessoas de grupo de risco, mais velhas, que têm outras doenças, que se sentem mais vulneráveis, devem ter menos estímulo para comparecer a votar.”

Para o professor Marco Antonio Teixeira, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), “a alta abstenção é um risco”. “Ela é um risco não apenas porque você não oferece outra alternativa para além do comparecimento físico do eleitor, mas também porque os casos estão aumentando e você tem ainda a irresponsabilidade de parcela da classe política que continua negligenciando a pandemia, a começar pelo presidente da República.”

Para ele, faltou “ousadia” no plano elaborado pelo TSE, que poderia ter presentado uma alternativa de voto não presencial nesta eleição. O professor diz que entende as dificuldades, especialmente em um momento em que o sistema de votação tem sido colocado em dúvida, mas que o “momento justificaria um ousadia maior, de tentar experimentar alguma coisa”.

Já o professor Humberto Dantas, que coordena o mestrado em Liderança Pública do CLP, disse acreditar que o índice de abstenção vai variar muito de um lugar para o outro. “Eu aposto em um aumento da abstenção nos grandes centros, e não aposto em movimentos tão significativos assim nas pequenas cidades”, disse.

Segundo ele, nas cidades com menos de 30 mil habitantes, a política local é muito importante, o que deve mobilizar mais as pessoas. “O voto nessas cidades é uma questão de sobrevivência. Abster-se neste ambiente é, por vezes, impactar sobre a lógica econômica da própria família.”

Outra preocupação de Dantas é em relação ao fato de que, pela primeira vez, o eleitor vai poder justificar a ausência na votação pelo celular.

“Justificar-se por aplicativo pode ser algo usado para ameaçar o eleitor. Se eu sei que você é um eleitor de um dado partido e eu te forço a se abster, como eu resolvo isso? As pessoas vão dizer que isso é uma bobagem, mas quem chama isso de bobagem não conhece política no Brasil. A gente já está indo para 100 assassinatos políticos no país nesta eleição”, afirmou.