O Estado de São Paulo, n.46300, 23/07/2020. Internacional, p.A16

 

Entrevista - Rubens Ricupero: "Disputa de Trump com a China vai se agravar até a eleição"

Rubens Ricupero

Paulo Beraldo

23/07/2020

 

 

Diplomata brasileiro diz que disputa com Pequim é a arma eleitoral mais potente de presidente americano

Tática. Para Ricupero, Trump usará China em campanha

Após os EUA determinarem o fechamento do consulado chinês em Houston, no Texas, as relações entre os dois países devem piorar até as eleições americanas de novembro. A avaliação é do diplomata e ex-embaixador do Brasil nos EUA Rubens Ricupero. "O episódio do fechamento do consulado é grave, mas está dentro de uma escalada da posição americana de confrontar a China cada vez mais", afirmou.

Para Ricupero, que hoje é diretor da FAAP, a disputa com a China deve ser uma das principais plataformas da campanha para a reeleição de Donald Trump, que hoje está atrás do ex-vice presidente Joe Biden nas pesquisas. "Trump não tem outra arma tão potente como essa e vai explorá-la o máximo que puder." A seguir, trechos da entrevista de Ricupero ao Estadão.

O que significa a ordem de fechar o consulado chinês?

Esse episódio não pode ser tomado isoladamente. Ele é grave, mas não é o mais importante. Faz parte de uma escalada da posição americana de confrontar a China cada vez mais. É preciso tomá-lo em conjunto com as declarações cada vez mais agressivas de Trump, do secretário de Estado, Mike Pompeo, e de alguns discursos do vice-presidente Mike Pence. Todas essas declarações têm algo em comum: movem a política americana em direção a uma posição nova, de competição estratégica com a China em todos os setores. Isso lembra a atitude que tiveram com a União Soviética no período da Guerra Fria, embora haja diferenças.

Que semelhanças e diferenças há entre os dois momentos?

Na época da bipolaridade, a União Soviética controlava boa parte do mundo e era o centro dos partidos comunistas mundiais. A China não tem o papel universal que a União Soviética tinha, quase como sede de uma nova religião, chamavam Moscou de "Nova Roma". A causa chinesa não tem esse apelo. Mas, tirando isso, em termos de confrontos bilaterais, é parecido. Outra semelhança é que os EUA, cada vez mais, exigem que os outros tomem partido.

Qual o papel do Brasil na disputa?

Essa pressão está sendo muito forte sobre o Brasil, como no episódio da Huawei e da tecnologia 5G, cujo leilão tem sido continuamente adiado. O Reino Unido recuou de sua posição inicial e resolveu proibir o uso de equipamentos da Huawei para suas redes 5G até 2027. Os ingleses admitem que fizeram isso por pressão de Trump. No Brasil, o embaixador americano tem multiplicado declarações nesse sentido. Nesta semana, o Brasil tomou parte numa luta contra a China na Organização Mundial do Comércio, dizendo que não há lugar na OMC para países que não têm economia de mercado. No comércio, sempre tivemos posições quase opostas aos americanos, porque os EUA nunca reconheceram a necessidade de tratamento especial aos países em desenvolvimento – caso do Brasil. É deslavadamente um apoio à posição americana contra a China na OMC. Isso pode ter consequências graves se a China resolver responder.

Qual a relação desse discurso com a eleição dos EUA?

Evidentemente, tem a ver com a eleição. Trump vai tornar a questão da China a principal arma dele contra (Joe) Biden. Isso vai continuar e se agravar até novembro. Pode ser que, caso ele não ganhe a eleição, a situação volte a uma certa normalidade. Tenho a impressão de que um possível governo Biden teria armas mais diplomáticas, menos agressivas e menos contundentes do que o atual. Mas a competição não vai desaparecer. Ela é o normal agora. É uma disputa de vida ou morte para saber quem terá o controle da tecnologia de ponta por uma razão simples: quem controla a tecnologia de ponta, cedo ou tarde, terá a supremacia estratégico-militar.

É uma estratégia que toca no nacionalismo americano?

As pesquisas já mostraram que, em relação à China, a maioria da opinião pública americana é hostil. Não todos da mesma forma que os part i dári os de Trump, mas todos olham a China com desconfiança por uma porção de razões, como as violações dos direitos dos muçulmanos, por exemplo. Há uma antipatia generalizada e, ao tocar nisso, ele recebe uma nota favorável do público. Seguramente, Trump vai pressionar toda hora e tocar o rival nesta matéria daqui até novembro. A disputa com a China vai se agravar até a eleição e pode ser o ponto central da campanha. Trump não tem outra arma tão potente como essa e vai explorá-la o máximo que puder.

Estratégia

"Esse episódio não pode ser tomado isoladamente. Faz parte de uma escalada da posição americana de confrontar a China cada vez mais"

Rubens Ricupero

EX-EMBAIXADOR DO BRASIL NOS EUA