Valor econômico, v. 21, n. 5118, 30/10/2020. Política, p. A14

 

‘Vacina chinesa’ entra na pauta de campanhas eleitorais

Malu Delgado

30/10/2020

 

 

Levantamento FGV-Dapp mostra que tema dominou redes sociais e incitou polarização nacional

O debate sobre a “vacina chinesa” contra a covid-19 foi incorporado em campanhas eleitorais no país, sobretudo em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, reforçando a associação entre disputas municipais e o cenário nacional. A vacinação obrigatória e a eficácia da Coronavac, a vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, passaram a ser assuntos difundidos e debatidos por candidatos com objetivo de delimitar posições em relação ao governo federal.

Levantamento feito pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas (FGV-Dapp) para o Valor, entre os dias 1º e 27 de outubro nas principais plataformas, mostra que o tema atingiu protagonismo nas redes e incitou a polarização nacional, inclusive com explosão de vídeos negativos sobre vacinas no YouTube e forte campanha de desinformação associada a perfis não jornalísticos alinhados ao governo federal. A Dapp computou um volume acumulado superior a 15 milhões de visualizações desses vídeos.

Enquanto no Rio de Janeiro o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), fica isolado na defesa contra a vacinação obrigatória, em São Paulo praticamente todos os candidatos apoiam o desenvolvimento da Coronavac e a campanha ampla de vacinação. A candidata Joice Hasselmann (PSL) é a que mais influencia o debate nas redes, sobretudo no Facebook e no Instagram, a favor da vacina.

A Dapp “identificou milhões de postagens, vídeos, interações e conteúdos políticos sobre imunização, com agressiva oposição entre bases favoráveis e de oposição ao governo federal quanto a saúde pública e relações internacionais - a partir da iminência da chegada da chinesa Coronavac ao Instituto Butantan, em São Paulo”.

A polarização política em torno da vacina é bastante perceptível no Twitter, de acordo com o levantamento. “Candidatos às prefeituras das capitais despontam como importantes mobilizadores em defesa da vacinação imediata, uma vez disponível e lastreada pelos órgãos reguladores”, aponta a FGV-Dapp. Em dois milhões de postagens monitoradas no período na plataforma, a diretoria constatou uma divisão nítida de perfis: de um lado, um núcleo alinhado ao governo federal com influenciadores nacionais (24% dos perfis e 56% das interações contra a vacina chinesa); do outro, perfis pró-imunização e em defesa da vacinação obrigatória (47% dos perfis, mas somente 32% das interações). Além desses dois lados polarizados, há 20% dos perfis, sem alinhamento político, formado por jovens e influenciadores digitais.

Em São Paulo, os candidatos de esquerda, Guilherme Boulos (Psol) e Jilmar Tatto (PT), se alinham a perfis que defendem o posicionamento do governador de São Paulo, João Doria, e, portanto, apoiam a reeleição de Bruno Covas (PSDB). “Perfis que apoiam a candidatura à reeleição de Bruno Covas igualmente participam do debate junto às bases à esquerda, assim como perfis ligados ao MBL e a outros grupos de direita, como o Novo, que estão na disputa eleitoral paulistana”, aponta o levantamento.

O governador tucano esteve em Brasília, no último dia 21, para selar acordos com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde para a compra da Coronavac e campanha de imunização nacional. Para evitar que Doria se beneficie politicamente ao ter a imagem diretamente associada à vacina, Bolsonaro negou que o ministério fosse adquirir o imunizante, desautorizando o titular da pasta, Eduardo Pazuello. O presidente questiona a eficácia e a segurança da Coronavac e prega que ninguém pode ser obrigado a se vacinar.

Candidato de Bolsonaro em São Paulo, o deputado federal Celso Russomanno (Republicanos) tem evitado, ao contrário do correligionário Crivella, se posicionar abertamente contra a vacina. A postura do candidato, inclusive, teria levado emissários do Palácio do Planalto a se distanciarem da campanha eleitoral.

O caso do Rio mostra um isolamento do discurso de Crivella, que se associa a perfis pró-governo que contestam a vacinação obrigatória. O prefeito se contrapõe, diz a Dapp, “à coalizão de rivais que atuam na base geral de defesa da imunização: Martha Rocha (PDT), Benedita da Silva (PT) e Eduardo Paes (DEM) participam do mesmo grupo de discussão pró-vacina”. A despeito dos posicionamentos síncronos dos adversários de Crivella, sobretudo no Facebook e no Instagram, nenhum deles, observa a diretoria da FGV, “se posiciona, até o momento, como influenciador nacional”.

A candidata do PDT ganhou destaque nas redes, no Rio, ao se posicionar a favor da vacinação obrigatória, tendo retorno positivo de usuários no Instagram e Facebook. Martha Rocha. Além de criticar as campanhas de desinformação sobre a vacina, ela associou o tema à necessidade de se combater o “vírus” da corrupção. A metáfora rendeu bons frutos.

Para o sociólogo Marco Aurélio Ruediger, diretor de Análise de Políticas Públicas da FGV- Dapp, o levantamento deixa “patente o déficit moral na política brasileira hoje”. “O cálculo político amesquinhado desconsidera por completo o fator humano e o sofrimento das pessoas. Se troca ganhos táticos na arena política para uma perda geral para a sociedade, em termos de custos e sofrimentos que a pandemia acarreta”, opina, alertando os vídeos e posts que promovem a desinformação sobre o tema.

Ruediger destaca, ainda, que a polarização alimentada pelo tema vacinação tem ainda um aspecto econômico relevante, na medida em que uma vacina poderia permitir que o Brasil retomasse a “dinâmica econômica de forma mais robusta, mais cedo que outros países”. Ele pontua, ainda, que a ideologização deste tema fragiliza ainda mais o Brasil internacionalmente.