Valor econômico, v. 21, n. 5117, 29/10/2020. Brasil, p. A9

 

TCU faz alerta sobre falta de meta fiscal para 2021

Murillo Camarotto

29/10/2020

 

 

Na LDO, governo não definiu alvo fixo para o resultado primário

O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) alertou ontem o Ministério da Economia sobre a ausência de meta fiscal para o ano que vem. De acordo com o órgão de controle, a metodologia prevista na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 está em desacordo com os preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Diferentemente do que ocorre historicamente, o governo não estabeleceu uma meta fixa para o resultado primário (exclui gastos com juros em 2021. Apesar de ter mencionado na LDO uma previsão de déficit primário da ordem de pouco menos de R$ 150 bilhões, a equipe econômica não associou esse valor a mecanismos que assegurem seu cumprimento, ou seja, trata-se tão somente de uma referência.

Para o TCU, essa sistemática não configura nenhum tipo de meta, mas apenas uma “conta de chegada”, resultante do saldo entre receitas primárias e as despesas primárias sujeitas e não sujeitas ao teto de gastos. “A meta passa a ser mera operação matemática entre esses três elementos”, diz o relatório do tribunal.

O entendimento do orgão de controle é de que a meta deve servir, entre outras coisas, para demonstrar a tendência da dívida pública, que já se aproxima de 100% do Produto Interno Bruto (PIB). Pelas projeções atualizadas do governo federal, o país só voltará a apresentar superávit nas contas públicas em 2027.

Pelo modelo proposto na LDO, se as receitas primárias caírem ou se as despesas não sujeitas ao teto aumentarem, a meta é reduzida automaticamente. O único elemento que permanece fixo é o montante de despesas sujeitas ao teto, justamente devido às limitações impostas pela regra.

Para o tribunal, além de estar em desacordo com a LRF, a ausência de uma meta fiscal consistente afeta o planejamento fiscal e a credibilidade do governo perante os agentes econômicos.

“Ainda que o atingimento de superávits primários, sobretudo dada a conjuntura econômica decorrente da crise provocada pelo coronavírus, não se mostre factível na atualidade, o fato é que resultados positivos serão construídos progressivamente a partir do esforço fiscal acumulado ao longo dos anos e, espera-se, da recuperação do crescimento econômico de forma duradoura”, disse o relator do processo no TCU, ministro Bruno Dantas.

Durante o processo, a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) argumentou que, em um contexto de severas limitações que comprometem a acurácia das estimativas de arrecadação, um valor de meta fiscal definido a priori tenderia a ensejar várias revisões ao longo do ano. Tais revisões, sustenta o órgão, também teriam efeitos sobre as incertezas por parte dos agentes econômicos.

Para o cientista político Luiz Felipe D’Ávila, presidente do Centro de Liderança Política, a pandemia não pode servir como subterfúgio para mudanças permanentes na disciplina fiscal.

“Economias do mundo inteiro também estão sentindo o impacto da covid em suas contas, mas nem por isso estão agindo com manobras que podem trazer mais risco fiscal justamente em um momento que a economia já está fragilizada e precisa de sinalizações claras do governo de responsabilidade”, afirmou D’Ávila.

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Congresso precisa ouvir com atenção advertência do tribunal

Fabio Graner

29/10/2020

 

 

Embora o aviso tenha sido direcionado ao Executivo, são os deputados e senadores que decidirão o assunto

O alerta feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o desenho da meta fiscal para 2021 precisa ser ouvido e analisado com atenção, principalmente pelo Congresso. Embora o aviso tenha sido direcionado ao Executivo, que propôs uma meta que na prática não existe, são os deputados e senadores que decidirão o assunto.

Os parlamentares ainda não se deram ao trabalho de colocar para funcionar a Comissão Mista de Orçamento e até agora não votaram a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que estabelece as regras para a execução do Orçamento do próximo ano. Se de um lado essa postura mostra pouco cuidado do Legislativo com a previsibilidade fiscal, esse atraso acaba vindo a calhar, permitindo que suas excelências avaliem um eventual “conserto” no modelo proposto pelo Executivo que, é importante ressaltar, tem caráter excepcional.

A ideia de uma “meta variável” não era consenso nem mesmo na equipe econômica. O argumento da elevada incerteza no momento de envio da LDO não pode ser desprezado. Faz todo sentido. O modelo proposto pelo time do ministro Paulo Guedes, porém, é bastante discricionário, abrindo espaço, em tese, para uma série de ações fiscais contraditórias com a âncora do teto de gastos, como desonerações e até gastos maiores em rubricas não alcançadas pelo limite constitucional de despesas.

Uma fonte do governo aponta que esse desenho proposto pouco difere de outras formas de meta, como aquelas que previam desconto de investimentos e desonerações no resultado final. E que, diante da forte incerteza que ainda há na economia, se o Congresso resolver modificar o desenho a partir do alerta do TCU, é pouco provável que adote uma meta fixa em nível que seja restritivo, pois isso contrariaria os próprios interesses políticos. Para essa fonte, portanto, o movimento do TCU é inócuo.

Outro interlocutor, contudo, avalia que o alerta é correto e precisa ser levado em consideração. Na visão dessa fonte, o horizonte para 2021 já está bem mais claro que em abril. Dessa forma, seria possível trabalhar de maneira mais alinhada com o que preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e definir uma meta fixa, que seja também exeqüível.

Seja como for, a advertência do TCU precisa ser vista em um contexto mais amplo. O Brasil tem muitas regras fiscais (o teto, o resultado primário, a “regra de ouro”), mas todos esses instrumentos têm problemas a serem resolvidos. O teto não tem paredes e gatilhos. O resultado primário não tem sido capaz de impedir a explosão de endividamento e a ancoragem de expectativas. E a “regra de ouro” não atingiu o objetivo de produzir uma situação fiscal que preserve os investimentos públicos, contendo outros gastos. De puxadinho em puxadinho, o país segue sem uma boa arquitetura fiscal.