Valor econômico, v. 21, n. 5115, 27/10/2020. Especial, p. A14

 

Leilão de 5G requer todo cuidado por impacto na concorrência, diz OCDE

Assis Moreira

27/10/2020

 

 

Certame no país é o maior “de todos os tempos” e pede muito planejamento, segundo entidade

O Brasil deve planejar com cuidado o futuro leilão para ocupar a nova frequência celular a ser aberta no país, o 5G, dadas suas implicações na concorrência do mercado, recomenda a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE). “O futuro leilão de 5G no Brasil é aclamado como o maior de todos os tempos para o espectro 5G”, diz a entidade em relatório divulgado ontem. “Partes interessadas da indústria e países em torno do mundo estão observando de perto o desenho do leilão.” A organização também sugere uma agência reguladora unificada para os setores de comunicação e radiodifusão, além de taxação menor no segmento.

Para a OCDE, é fundamental formular cuidadosamente o futuro leilão de 5G. Nota que, devido à reforma de 2019, as licenças de espectro podem ser renovadas continuamente. Isso aumenta a importância do desenho do leilão, porque pode predeterminar a dinâmica da concorrência nas próximas décadas.

Os diferentes elementos da elaboração do leilão (como configuração dos blocos, preços de reserva, obrigações de cobertura e limites máximos de espectro) devem incorporar os objetivos de melhoria da competição no mercado e fornecer incentivos para expandir a cobertura de redes móveis.

No momento da renovação, a reguladora pode impor novas obrigações e uma nova taxa para a licença. Para a OCDE, mesmo assim, os atores que ganharem participação de espectro no leilão possivelmente serão os que conseguirão competir a longo prazo no mercado. A entidade não comenta a guerra entre EUA e China envolvendo o 5G no Brasil.

A OCDE recomenda ainda ao Brasil a implantação generalizada e eficaz de tecnologias digitais e serviços de comunicação que considera mais vital do que nunca, quando o mundo trabalha para conter a crise econômica e de saúde da covid-19. Em dois novos relatórios, divulgados ontem em Brasília e Paris, a OCDE avalia que a penetração de banda larga fixa e móvel no país é semelhante a dos paises da região, mas abaixo da média da OCDE. Os preços de banda larga fixa no Brasil tendem a ser mais altos. Expandir a banda larga de qualidade para áreas rurais e remotas é considerado o principal desafio.

Para a OCDE, serviços de comunicação de alta qualidade a preços competitivos são cruciais para a transformação digital no país. E recomenda que o país procure tirar máximo proveito das ferramentas digitais de hoje e melhore a qualidade das comunicações e dos serviços de radiodifusão.

A avaliação da entidade é de o marco institucional no Brasil não está bem adaptado à convergência de comunicações e radiodifusão. Por isso, sugere a criação de uma agência reguladora unificada e independente para os setores de comunicação e radiodifusão para melhorar a conectividade no país, com fusão da Anatel, Ancine (cinema) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

A entidade observa que, à medida que a tecnologia evolui, a convergência de redes dilui os contornos de setores e mercados antes bem demarcados (a radiodifusão e as comunicações). Isso implica um aumento na prestação de vários setores por meio de redes de comunicação multiuso, geralmente na forma de pacotes. Nesse contexto, vários agentes e redes devem fornecer serviços de voz, dados e vídeo. Para a OCDE, isso exige um marco regulatório coerente e adaptado a um ambiente convergente. A criação de uma reguladora unificada, distanciada da formulação de políticas, ajudaria a simplificar o regime regulatório e a lidar com a nova realidade convergente. Nota que, ao contrário das práticas internacionais, no Brasil não há uma distinção clara entre formulações de políticas e expedição de regulamentações para lidar com falhas do mercado, promover competição e proteger consumidores.

A OCDE sugere que, numa reforma do arcabouço legal, seja introduzido um regime de licenciamento baseado em licença única para serviços de comunicação e radiodifusão. Recomenda também uma reforma na estrutura de tributos. Avalia que altas taxas e impostos impactam severamente o setor de comunicações no país. Exemplifica que elas representam 40,2% dos preços de serviços de banda larga fixa e móvel, afirmando que um serviço de licenciamento único minimizaria os custos legal, o ônus administrativo e o potencial para arbitragem tributária.

Outra recomendação é para o Brasil melhorar as condições de mercado, reduzindo o máximo possível barreiras à entrada de prestadores de serviços de comunicação. Sugere que o Brasil continue a reduzir os custos de implantação de infraestrutura por meio de políticas de “dig-once” (uso comportilhado da mesma infraestrutura terrestre para passagem de dutos e cabos, a fim de baratear os serviços) e de otimização dos direitos de passagem.

Para a OCDE, o Brasil precisa reformar também sua política concorrencial. Recomenda remover da lei de defesa da concorrência o limite de 20% de participação no mercado como indicador de posição dominante. Diz que em alguns países é pouco provável que uma empresa seja considerada dominante com participação inferior a 40%. Sugere ao Brasil considerar também a remoção de restrições a investimentos estrangeiros diretos na radiodifusão, em que empresas ou indivíduos estrangeiros não podem ser detentores de mais de 30% do capital total e com direito a voto de companhia de radiodifusão de capital aberto.

Na visão do presidente da Anatel, Leonardo Morais, o arcabouço regulatório promovido pela agência se alinha às melhores práticas defendidas pela OCDE e contribui para a inserção do Brasil na organização. “Entendemos que damos uma contribuição positiva para a inserção do Brasil na OCDE a partir do marco regulatório das telecomunicações”, disse ontem após cerimônia de apresentação dos relatórios “A Caminho da Era Digital no Brasil” e “Telecomunicações e Radiodifusão no Brasil”, elaboradas pela organização internacional.

As recomendações da OCDE para o setor de telecomunicações no Brasil serão abordadas por meio de diferentes instrumentos, disse Morais. As discussões sobre tributação, acrescentou, serão enfrentadas no âmbito da reforma tributária, discutida no Congresso. “Essa questão tributária precisa ser endereçada no setor de telecomunicações, haja vista que a carga tributária que alcança o setor não é correspondente à importância que ele tem.” Entre as prioridades, citou ainda as referências da OCDE à Lei do Seac, sobre a comunicação audiovisual. “A lei tem restrições em relação à integração vertical na cadeia de valor do audiovisual”.

A OCDE avalia ainda que o custo da ineficiência do governo no Brasil é estimada em mais de R$ 1 trilhão. “A expectativa do governo é de obter ganhos anuais de eficiencia de R$ 65 bilhões a R$ 85 bilhões, em comparação com os custos anuais com ineficiência estimados em 1,3 trilhão de reais (USS$ 333 bilhões)”, diz.

A prioridade de transformação digital do governo representa, segundo a OCDE, também um posicionamento diante das rápidas mudanças previstas na força de trabalho da administração pública, “que deverá ser reduzida pela metade nos próximos cinco anos devido a aposentadorias e esforços do governo para racionalizar e otimizar o tamanho da força de trabalho em questão”. Em 2019, o BID publicou estudo estimando em até US$ 68 bilhões por ano (RS$ 382,9 bilhões no cambio atual) o custo no Brasil de ineficiências na alocação dos recursos públicos e na forma de execução de programas e projetos, como nas compras governamentais, gestão do funcionalismo público e transferências de recursos.

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Transformação digital é a chave para produtividade maior no país, diz entidade

Assis Moreira

27/10/2020

 

 

OCDE sugere ao governo que adote incentivos fiscais para estimular uso da tecnologia digital

A transformação digital pode impulsionar o crescimento da produtividade no Brasil, sugere a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Economico (OCDE) em relatório sobre a situação no país.

Segundo a entidade, entre 2001 e 2013 o crescimento anual da produtividade do trabalho no Brasil estava um pouco acima da média da OCDE, de 1,5% comparado a 1,2%, mas bem abaixo do percentual do Brics (5,1%).

Durante a recessão de 2014-16, a produtividade no Brasil diminuiu 1,3% ao ano, mas voltou a crescer entre 2017-19 (0,4%), ainda num ritmo mais lento que o da OCDE (0,9%) e de outros países-membros do Brics (3,4%).

Em 2019, diz a OCDE, a produtividade no Brasil era apenas um quarto da dos EUA. A diferença de produtividade também era importante em relação a países como o Chile (-34%), o México (-30%) e a Argentina (-26%).

Para a entidade, não há dúvida de que as tecnologias digitais têm o potencial para aumentar a produtividade de empresas em todos os setores da economia.

Nesse contexto, a OCDE sugere ao governo inclusive introduzir incentivos fiscais para a atualização tecnológica, treinamento e investimento em tecnologia da comunicação para todas as empresas.

Recomenda também reformar a Lei de Informática para fortalecer o apoio do governo à inovação.

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Ministros fazem ‘lobby’ para ingresso na organização

Rafael Bitencourt

Mariana Ribeiro

27/10/2020

 

 

Representantes da OCDE vieram ao Brasil para apresentar ao país os desafios a vencer antes de integrar o grupo

Ministros do governo Jair Bolsonaro aproveitaram a presença de representantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) em solenidade na capital para marcar posição favorável à entrada do Brasil na organização.

Porém, as autoridades estrangeiras ligadas à entidade internacional vieram ontem ao país justamente para entregar os estudos que apontam os desafios institucionais e de investimento que o país precisa enfrentar para alcançar as nações mais ricas no processo de transformação digital.

Durante cerimônia no Itamaraty, o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, disse que o Brasil alcançou “progressos digitais significativos” nos últimos anos. Mas, em seguida, destacou alguns desafios que ainda persistem. Ele ressaltou, por exemplo, que quase um quarto da população adulta no Brasil nunca tinha utilizado a internet até 2018.

“As empresas brasileiras - especificamente, as microempresas - ficam aquém das empresas dos países da OCDE no uso das tecnologias digitais. Apenas 54% das companhias brasileiras, com dez empregados ou mais, tinham seu próprio site em 2019, o que contrasta com a média da OCDE, de 78%”, afirmou Gurría.

O secretário da organização mencionou que a penetração de banda larga fixa nos lares é ainda de 15,5% no Brasil, lembrando que o percentual corresponde à metade da média dos países que integram a entidade (31,4%). Outro gargalo identificado no setor está relacionado à velocidade de conexão à internet, que gira em torno de 4,8 megabits por segundo (Mbps) no país. “A média da OCDE, de 26,8 Mbps, é de cinco a seis vezes maior”, comparou.

Ao discursar na solenidade, o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, destacou que a entrada do Brasil na OCDE é um dos objetivos estratégicos do governo Bolsonaro. Para ele, a filiação será de “grande valor” não só para o país, mas para o próprio fortalecimento da organização.

O ministro considera que as recomendações trazidas nos relatórios ajudam o Brasil a buscar o alinhamento com a entidade. “Estamos avançando a passos firmes para convergência das melhores práticas da OCDE”, disse, ressaltando que o Brasil já aderiu a 96 instrumentos da organização e solicitou adesão a outros 46.

A posição foi reforçada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. “Ficou claro o nosso empenho em valer-nos da OCDE para orientar as nossas políticas, mas também a nossa capacidade de contribuir para os propósitos centrais da organização”, disse.

Em sua fala, Araújo destacou ainda que as novas tecnologias digitais são decisivas para o futuro das sociedades, que podem se tornar livres ou partir para “outras opções”. Ele colocou que a transformação digital e as telecomunicações - tema dos relatórios da OCDE - são “extraordinariamente democratizantes”, mas “têm potencial perigoso de favorecer o controle social e a manipulação”. “O Brasil está inteiramente comprometido não só com a economia liberal, mas com a sociedade livre”, acrescentou.

Reportagem publicada pelo Valor na semana passada mostrou que o governo brasileiro faz gestões diplomáticas junto a vários países pedindo que decidam enfim pela entrada de novos membros na OCDE, mas que a perspectiva mais realista é que uma decisão sobre o processo de ascensão do Brasil ocorra no primeiro semestre de 2021.

Também presente, o ministro das Comunicações, Fabio Faria, disse que a entrada do Brasil na OCDE ajudará na aproximação de países mais livres e democráticos, além de tornar a economia brasileira “mais competitiva”.

Faria prevê que os avanços institucionais propostos pela OCDE, que incluem medidas no campo tributário, são importantes para o leilão da quinta geração de celular (5G), previsto para 2021, e “futuras privatizações”.

Já o presidente da Anatel, Leonardo Euler de Morais, disse que o arcabouço regulatório da agência se alinha às melhores práticas da OCDE e contribui para a inserção do Brasil na organização. Afirmou também que as recomendações para o setor serão encaminhadas por meio de diferentes instrumentos. As discussões sobre tributação, disse, serão endereçadas no âmbito da reforma tributária.

Entre as “recomendações-chave” deixadas pelo secretário-geral da OCDE está a necessidade de que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) funcione com “total independência” e que as nomeações para o seu comando sejam “transparentes e embasadas tecnicamente”. Na última semana, especialistas do setor criticaram a indicação de três militares, entre os cinco nomes escolhidos pelo governo, para assumir a diretoria da nova entidade, responsável por criar normas e fiscalizar o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).