Valor econômico, v. 21, n. 5115, 27/10/2020. Brasil, p. A2

 

Presidente diz que obrigatoriedade de vacina não pode ser ‘questão de Justiça’

Matheus Schuch

27/10/2020

 

 

Não pode um juiz decidir o assunto, afirma presidente, para quem seria “mais fácil e até mais barato investir na cura do que na vacina”

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que a discussão sobre obrigatoriedade de vacinação contra covid-19 não pode ser uma “questão de Justiça”. O comentário ocorreu após o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, afirmar ser necessário que a Justiça analise questões relacionadas à vacina. Bolsonaro também defendeu que poderia ser “mais fácil e até mais barato” investir na cura do que na vacina.

“Eu entendo que isso não é uma questão de Justiça, é uma questão de saúde acima de tudo. Não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar vacina. Isso não existe. Nós queremos buscar solução para o caso”, argumentou o presidente, em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. A conversa foi divulgada por sites bolsonaristas.

Na última sexta, Fux comentou que considera “necessária” a discussão do caso pela Justiça. “Não é só a liberdade individual, como também, digamos assim, os pré-requisitos para se adotar uma vacina. Não estou adiantando ponto de vista nenhum. Estou apenas dizendo que essa judicialização será importante, e de preferência direto no Supremo”, disse o ministro.

Bolsonaro, que se opôs à intenção de compra pelo Ministério da Saúde de 46 milhões de doses da Coronavac, vacina que está sendo desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o governo de São Paulo e o Instituto Butantan, também defendeu ontem que não se pode ter pressa sobre a imunização da doença, que já matou mais de 157 mil pessoas no país.

“O que a gente tem que fazer é não tentar correr, atropelar, comprar desta ou daquela sem nenhuma comprovação ainda”, afirmou. “Todo mundo diz que a vacina que menos demorou até hoje foram quatro anos [de elaboração], eu não sei por que correr agora. Eu dou minha opinião pessoal, não é mais fácil e até mais barato investir na cura do que na vacina? Ou jogar nas duas, mas também não esquecer a cura.”

O presidente voltou a defender o uso de hidroxicloroquina, que não têm eficácia comprovada no tratamento de covid-19, e vermífugos como a solução para a cura da doença.

“A cura aí eu sou testemunha, uns tomaram hidroxicloroquina, outros tomaram ivermectina, outros tomaram Annita e deu certo. E pelo que tudo indica, todo mundo que tratou precocemente com uma dessas três alternativas aí foi curado”, finalizou.

Já o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), defendeu ontem que empresas devem ter o direito de obrigar seus funcionários a se vacinarem contra covid-19, como forma de evitar a contaminação pela doença de outros integrantes da equipe.

Zema, porém, é contrário à obrigatoriedade da vacinação de forma ampla à população. O governador concedeu entrevista no Palácio do Planalto, após audiência com Bolsonaro.

“Eu sou de um partido liberal, da opinião de que quem quiser vacinar deve vacinar. Mas sou da opinião também que uma empresa que emprega mil funcionários exija de alguém que trabalha lá que tenha vacinado porque caso contrário pode representar um risco para os outros. Então, eu sou sempre favorável à liberdade do ser humano”, afirmou.

Questionado se o posicionamento não seria contraditório, o governador respondeu: “Acho que setor público é uma coisa, setor privado é outra, são raciocínios distintos”.

Zema afirmou não ter tratado sobre vacinação com Bolsonaro e assegurou que seu governo estará alinhado às orientações do Ministério da Saúde. A reunião foi para tratar, de acordo com o governador, de apoio a projetos do Estado, como a privatização da Codemig. O tema, acrescentou Zema, desperta a atenção do presidente por envolver a extração de nióbio.

Já o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse ontem que Bolsonaro parece torcer contra o desenvolvimento de uma vacina contra a covid-19. Para o tucano, as últimas declarações do mandatário não são humanitárias. "É inacreditável ter um presidente que não torça pela salvação das pessoas, pela vida das pessoas. Parece até que torce pelo contrário.”

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Guedes pede tolerância com falas de Bolsonaro

Mariana Ribeiro e Estevão Taiar

27/10/2020

 

 

Segundo ministro, engrenagem política não tem permitido que ocorram as privatizações

O ministro da Economia, Paulo Guedes, saiu ontem em defesa do presidente Jair Bolsonaro, disse que é preciso deixá-lo expressar os seus posicionamentos e que a “intolerância não pode ser aplicada em nome da tolerância”. Ele afirmou ainda ser natural que haja divergências em relação à vacina contra a covid-19.

“Não podemos nos emocionar, nos apaixonar e começar justamente a derrapar para a intolerância porque alguém está falando algo que não gostamos. É a liberdade de opinião, de manifestação. Vai tomar vacina ou não vai? ‘Eu acho que deve ser voluntário, eu acho que deve ser obrigatório’. Ora, é natural que haja diferença de opinião”, disse.

Em um evento que debatia a democracia, promovido pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), ele acrescentou que na Coreia do Norte “não há nenhuma dúvida” sobre se é preciso tomar vacina ou não. Bolsonaro tem afirmado que a vacinação contra a covid-19 não será obrigatória, o que gerou reações contrárias.

Ainda em defesa de Bolsonaro, Guedes afirmou que não se pode interditar o governo de quem “tem 60 milhões de votos”. “Essa atitude de intolerância não pode ser aplicada em nome da tolerância. Na verdade, pratica-se intolerância acusando o presidente de ser intolerante. Deixa ele perder a próxima eleição então, ué.”

Ele acrescentou que em nenhum momento achou que a democracia estivesse em risco e disse ter convicção de que o país está construindo uma “grande sociedade aberta”. Voltou a dizer ainda, se referindo a Bolsonaro, que, diferentemente do presidente, muita gente fala bonito e “faz muita coisa suja por baixo da mesa”.

Ainda na avaliação de Guedes, os poderes vêm funcionando de maneira adequada no Brasil e é normal que haja “demarcação de espaços”. “Às vezes dois poderes se juntam para conter excesso de um terceiro. É normal”, acrescentou.

O ministro voltou a defender uma agenda que ajude a “destravar” investimentos no país. Ele reconheceu a dificuldade de avançar nas privatizações e disse que “acordo políticos” e uma “mentalidade cultural equivocada” dificultam esses processos”.

Em outro momento, disse que o presidente vem cobrando privatizações, mas que “por alguma razão” a engrenagem política não tem permitido que ocorram. Guedes afirmou que é a onda de consumo segurou a economia, mas é preciso criar uma "onda de investimentos". Isso que trará crescimento de longo prazo, defendeu.