Valor econômico, v. 21, n. 5114, 26/10/2020. Brasil, p. A4

 

Folha de servidor no nível da OCDE ‘daria’ R$ 287,8 bi ao Brasil

Edna Simão

26/10/2020

 

 

Achatamento de gasto com funcionalismo aliviaria sufoco fiscal e permitiria a realocação de recursos

Se o Brasil conseguisse aprovar uma reforma administrativa que achatasse sua despesa com folha de pagamento para a média dos países que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o governo brasileiro teria uma disponibilidade de R$ 287,8 bilhões para investir em programas como o Renda Cidadã, que o presidente Jair Bolsonaro pretende criar.

Atualmente, o gasto com pessoal no serviço público no Brasil equivale a 13,5% do PIB (em valores de 2020), enquanto a média da OCDE é de 9,4% do PIB.

O cálculo foi feito pelo diretor de Estratégias Públicas do Grupo MAG, Arnaldo Lima, que foi ex-secretário-adjunto de Política Econômica e contribuiu na preparação da reforma administrativa do governo do ex-presidente Michel Temer que não chegou a ser encaminhada ao Congresso Nacional.

Arnaldo Lima considera a proposta de reforma administrativa, enviada no início de setembro pelo governo Bolsonaro aos parlamentares, “muito boa” por incluir também Estados e municípios. Por outro lado, do ponto de vista fiscal, pode demorar um pouco, algo em torno de dois anos, para trazer resultados na redução dos gastos.

Isso porque a estratégia escolhida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe foi deixar o envio de projetos infraconstitucionais para um segundo momento. A aprovação dessa regulamentação da reforma não deve ser tao rápida devido, por exemplo, à forte resistência dos servidores públicos.

Pelos cálculos da equipe econômica, a reforma administrativa poderia reduzir os gastos públicos entre R$ 300 bilhões e R$ 450 bilhões em dez anos, dependendo da taxa de reposição de aposentados.

O economista não considera uma falha na Proposta de Emenda Constituição (PEC) o fato de não atingir os atuais servidores públicos. Para ele, esses seriam atingidos com a aprovação da PEC Emergencial, que estabelece os gatilhos para o acionamento do teto de gastos.

“A reforma administrativa é uma discussão de eficiência do Estado. Como estamos em situação fiscal frágil, é vista apenas como uma forma de reduzir despesas. Ela é, no entanto, pilar da eficiência e ponto positivo para o crescimento econômico”, frisou.

Nos últimos dez anos, a despesa com folha de pagamento, incluindo União, Estados e municípios, subiu de 12,1% em 2010 para 13,5% em 2020 (dado acumulado em 12 meses até agosto).

O gasto da União, de certa forma, tem se mantido praticamente estável, principalmente, de 2017 para cá. Em 2020, a despesa da União era de 4,4% do PIB. O crescimento nos últimos anos tem sido puxado pelos Estados e municípios. Em dez anos, esses dispêndios subiram 0,8 ponto percentual nas prefeituras, atingindo 4,3% neste ano. Já nos Estados, a expansão foi de 0,5 ponto percentual para 4,8% do PIB, considerando a mesma base de comparação.

No governo federal, o custo da folha está praticamente estável, pois, com a digitalização dos serviços, o governo não tem reposto mão de obra na mesma velocidade com que os servidores solicitam a aposentadoria.

Recentemente, o Ministério da Economia informou que desde o início deste governo tem tomado todas as medidas para manter o equilíbrio fiscal e estabilizar a folha de pagamento do Executivo civil. De dezembro de 2018 a setembro de 2020, houve uma redução sem precedentes do quadro de servidores ativos, de 630 mil para 601 mil, viabilizada por medidas de transformação digital e eficiência administrativa.

O crescimento nominal da folha de pagamento dos servidores ativos em 2019 foi de 0,4%.

Contudo, o economista chamou a atenção para os gastos elevados com benefícios concedidos aos servidores públicos como assistência médica e odontológica de civis, auxílio-transporte, assistência pré-escolar, auxílio-funeral e auxílio-natalidade. Essa despesa saltou de R$ 9,298 bilhões em 2010 para R$ 13,665 bilhões neste ano, um aumento de 46,96%.

Mas a situação é mais preocupante nos Estados e nos municípios porque são responsáveis pela oferta maior de serviços à sociedade, o que demanda maior contratação de profissionais para a segurança pública, educação e saúde.

“O problema é que temos aumentado o gasto, e não a qualidade do serviço”, afirmou Lima, ressaltando a necessidade da reforma administrativa.

Nesse caso, o economista acredita que os gastos dos Estados e municípios com folha de pagamento podem cair um pouco com a migração dos novos servidores públicos que fazem parte do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) para os regimes de previdência complementar.

A reforma da Previdência, promulgada em novembro do ano passado, prevê que Estados e municípios com RPPS criem regime de previdência complementar até novembro de 2021.

Segundo levantamento de Lima, dos 2.138 entes com Regime Próprio de Previdência Social (RPSS), apenas 21 têm previdência complementar, por enquanto.

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Funcionalismo não é intocável, diz líder de frente parlamentar

Edna Simão

26/10/2020

 

 

Para Tiago Mitraud, revisão da estabilidade não elimina todas as distorções

O presidente da frente parlamentar da reforma administrativa, deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), afirmou que os servidores públicos “não são intocáveis” e a revisão da estabilidade, como prevista na PEC 32/2020 encaminhada pelo governo, não resolverá todas as distorções existentes na administração pública, a não ser que venha acompanhada com a aprovação de outros projetos como a regulamentação do teto de remuneração do funcionalismo que atualmente é de R$ 39,2 mil.

Mesmo com as resistência dos servidores, Mitraud acredita ser possível a aprovar a reforma no primeiro trimestre na Câmara.

“Uma coisa emenda a outra. Nem as proposições que a gente priorizou por si só conseguem resolver a defasagem da administração pública brasileira nem a PEC por si só resolve. São complementares”, explicou o deputado ao Valor.

No início de setembro, o presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso proposta de reforma administrativa que não inclui os novos servidores e membros de outros Poderes, como magistrados, parlamentares, promotores e procuradores do Ministério Público. Na ocasião, o governo queria sinalizar ao mercado financeiro de que continuava comprometido com as reformas estruturantes.

Com a iniciativa, a equipe econômica projeta que a economia deve variar entre R$ 300 bilhões e R$ 450 bilhões em dez anos, dependendo da taxa de reposição dos servidores que se aposentam.

“Mesmo que não se economizasse nenhum centavo, a reforma administrativa continuaria sendo necessária”, disse Mitraud. “Não é reforma que vem exclusivamente com finalidade fiscal. Questão fiscal é importante, mas há outras questões envolvidas para corrigir distorções e privilégios existentes em setores da administração pública e trazer mais produtividade.”

Na agenda legislativa apresentada ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, a frente parlamentar pediu a inclusão dos atuais servidores públicos na reforma, assim como de juízes, magistrados e políticos. Além disso, propôs a retomada da tramitação de projetos hoje parados no Congresso Nacional como o que regulamenta o teto remuneratório.

Segundo Mitraud, esse PL está pronto para votação e possíveis ajustes no texto poderiam ser feitos no plenário. “Maia disse que está construindo acordos necessários entre os líderes para poder votar esse projeto”, disse, acrescentando que, eventualmente, pode ser colocada em plenário junto com a PEC 32. “Isso vai certamente dar boa regulamentada nesses absurdos que ainda existem hoje”, afirmou o presidente da frente.

A avaliação é de que há condições para que a PEC da reforma administrativa seja aprovada ainda no primeiro trimestre de 2021 na Câmara dos Deputados. Caso não haja recesso parlamentar, como vem sendo cogitado, poderia acontecer já em janeiro.

Especificamente sobre a estabilidade na carreira, Mitraud disse que realmente precisa ser revista. “Não acho que a discussão da estabilidade é o que vai resolver todo o problema do funcionalismo. Agora, por outro lado, não acho que seja um assunto intocável”, afirmou. “Não podem continuar existindo essas carreiras que todo mudo sobe para o topo. As carreiras precisam ser piramidais.”

O presidente da frente ressaltou que, com a aprovação da reforma administrativa, será possível acabar definitivamente com a promoção automática dos servidores públicos no governo federal, extinta há duas décadas, mas que ainda é concedida por estar vinculada a uma avaliação que é protocolar. Para Mitraud, assim como em outros países, o governo brasileiro precisa ter mais flexibilidade para contratar servidores pois as prioridades mudam conforme mudanças demográficas e as necessidades da sociedade naquele momento. Isso será possível com a definição do que é carreira de Estado e com a atualização da legislação que trata de contratação de temporários.

“É preciso ampliar o rol de possibilidades [de contratações] para reduzir o tamanho da máquina pública de acordo com as mudanças que os países passam, e o Brasil não tem isso.”