Título: Admirado, odiado e inesquecível
Autor: Ulhoa, Marcela
Fonte: Correio Braziliense, 06/03/2013, Mundo, p. 20

Comunicador habilidoso, sem papas na língua, Hugo Chávez conquistou defensores e críticos nos 14 anos em que comandou a Venezuela. Populista para alguns, progressista para outros, teve no antiamericanismo uma das marcas mais fortes de seu discurso

"Por que não te calas?" Cansado das inúmeras interrupções do presidente Hugo Chávez durante a XVII Conferência Ibero-Americana, em 2007, o rei espanhol Juan Carlos soltou uma das mais emblemáticas frases da política internacional. O pedido de silêncio ficou cravado na memória, talvez porque tenha sido dito a um personagem que nunca parecia disposto a se calar. Em seus 14 anos na Presidência da Venezuela, ele falou o que quis, sem eufemismos nem papas na língua. Controverso, o político despertou opiniões diametralmente opostas. Uma divisão sem meio-termo entre os que defendem e os que questionam a ideologia antinorte-americana do venezuelano, declaradamente contrário ao "capitalismo imperialista" e defensor da nacionalização de importantes setores produtivos do país. Morto aos 58 anos, Chávez pode ter sido amado ou odiado, mas, sem dúvida, foi e sempre será lembrado.

O segundo de sete filhos do casal de professores primários Hugo de los Reyes Chávez e Elena Frías de Chávez , desde cedo ele frequentou escolas de qualidade. Aos 17 anos, Chávez ingressou na Academia Militar da Venezuela, graduando-se, em 1975, em ciências e artes militares, ramo de engenharia. Foi nesse período que ele se aproximou dos ideais de Simón Bolívar, general e político venezuelano responsável pela independência de vários países latino-americanos sob o domínio do Império Espanhol, entre eles, a própria Venezuela. Antes do casamento com o socialismo, contudo, Chávez tinha outra paixão: o beisebol. Um dos seus sonhos de infância era se tornar arremessador do time San Francisco Giants e seguir os passos de seu herói, o jogador Isaias "Latigo" Chávez.

Se o esporte não vingou como desejou, os ensinamentos de Simón Bolívar o levaram longe. Chávez se tornou tenente-coronel e, em 1992, liderou uma tentativa de golpe militar contra o presidente Andrés Perez, no poder de 1974 a 1979 e depois de 1989 a 1993. Infrutífera, a ação lhe rendeu dois anos de prisão, mas também alavancou sua popularidade. Foi na prisão que ele apurou sua leitura de clássicos latino-americanos e refinou suas estratégias para conquistar o poder. Aperfeiçoamento que o levou à vitória nas urnas.

Comunicador Quando foi eleito em 1998, Chávez iniciou o que chamou de Revolução Bolivariana, um modelo que deveria, segundo ele, resolver os problemas sociais e econômicos do continente "historicamente explorado pelo Hemisfério Norte". Dessa forma, a principal bandeira do presidente tornou-se a implementação de um novo socialismo em contraposição às interferências dos países que, segundo ele, sempre visaram o lucro e a exploração do capital.

Se as medidas contaram com poucos adeptos na alta sociedade e na classe média, foi nas classes mais baixas que Chávez encontrou respaldo. Mesmo os críticos ferrenhos reconhecem, em menor ou maior grau, os avanços sociais de seu governo. Além do investimento maciço em programas sociais com grande apelo populista, Eric Hershberg, diretor do Centro para Estudos Latinos e América Latina da Universidade Americana de Massachusetts, reforça que a popularidade de Chávez pode ser explicada também por sua habilidade oratória.

"Chávez foi popular porque defendeu os que se sentiram excluídos, gastou muito em programas sociais e foi um comunicador magistral", analisa Hershberg. O presidente do qual a Venezuela se despede era capaz de prender sua audiência com palavras ora polêmicas, ora hilárias. "Quem não é chavista não é venezuelano", disse no ano passado. Anos antes, ainda no primeiro mandato, brincou no Dia dos Namorados, mandando um recado à segunda mulher, Marisabel Rodríguez, de quem se separou em 2003: "Prepare-se. Esta noite vou lhe dar o que é seu". Divorciado duas vezes, Chávez deixa quatro filhos — Rosa Virginia, 34 anos; María Gabriela, 32; Hugo Rafael, 29; e Rosinés, 15 — e três netos.

Diabo Denilde Holzhacker, especialista em América Latina das Faculdades Rio Branco, lembra ainda que outro ponto marcante do líder foi a utilização do Twitter e das redes sociais. "Sigo agarrado a Cristo e confiando em meus médicos e minhas enfermeiras. Até a vitória sempre!! Viveremos e venceremos", diz a última mensagem de seu perfil na rede de microblogs, seguido por mais de 4 milhões de internautas.

Ao longo dos anos no poder, enquanto se afastava cada vez mais dos Estados Unidos, o político foi se aproximando de líderes como o cubano Fidel Castro; Mahmoud Ahmadinejad, presidente iraniano; e de Muammar Kadafi, falecido ditador líbio. A coleção de afrontas ao "imperialismo" norte-americano foi extensa. Em 2006, na Assembleia Geral das Nações Unidas, não poupou palavras para se referir ao então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush: "Ontem, o diabo veio aqui. E ainda é possível sentir o cheiro de enxofre".

Apesar de polêmico e controverso, Hugo Chávez Frías foi reeleito presidente da Venezuela por quatro vezes consecutivas: 1997, 2000, 2006 e, por fim, em 2012. Quando ganhou nas urnas pela última vez, em outubro passado, ele já lutava contra o câncer. A maior parte do seu tratamento foi realizado em Cuba, país que, para Chávez, era um "mar de felicidades". Em uma das últimas aparições públicas, foi à TV e desabafou: "Esses não são dias fáceis, mas somos guerreiros contra a adversidade". Em 5 de março de 2013, Chávez deu seu último suspiro, mas é muito difícil dizer se o chavismo partirá com ele. "Com certeza, não vai haver um líder que consiga canalizar todo o carisma dele, mas vai depender de como o processo vai acontecer internamente. Há governos que conseguem. O peronismo permaneceu após a morte de Perón (na Argentina)", opina Holzhacker.