O Estado de São Paulo, n.46296, 19/07/2020. Metrópole, p.A15

 

Meta é levar gente ao planeta a partir de 2030

19/07/2020

 

 

Especialistas acreditam que estamos no caminho de viabilizar uma viagem tripulada para Marte, mas ainda há desafios

Viagem longa. Enquanto uma viagem à Lua demora três dias, até Marte seriam sete meses

Pensar em levar humanos para Marte não é mais uma viagem de ficção científica. A Nasa pretende atingir o feito de comandar uma missão tripulada para o planeta já na década de 2030. Apesar de esse prazo ser visto com desconfiança por alguns especialistas, todos concordam que se avança no caminho de uma viagem espacial no futuro.

"Nos últimos 70 anos de exploração espacial vivemos várias experiências concretas de erros e acertos que nos permitem chegar hoje a uma possibilidade real de levar humanos até Marte nas próximas décadas", afirma Daniela Pavani, professora do Departamento de Astronomia do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

A estrutura necessária para uma viagem tripulada a Marte não seria muito diferente da usada para ir à Lua ou à Estação Espacial Internacional. A nave, porém, teria de ser maior por causa da distância: o veículo Starship, por exemplo, projeto da empresa SpaceX para missões marcianas, terá 120 metros de altura – até hoje, o maior foguete construído foi o Saturno V, que tem 110 metros de altura e foi usado nas missões Apollo e Skylab.

A principal diferença seria a confiabilidade da tecnologia, afirma o professor de engenharia espacial Alexandre Zabot, da UFSC. "Um purificador de ar simplesmente não pode quebrar." Enquanto a Lua está a cerca de 385 mil quilômetros da Terra (uma viagem de três dias), a distância mínima até Marte é de cerca de 54,6 milhões de quilômetros (trajeto de aproximadamente sete meses).

Outra questão colocada pelo astrônomo Naelton Araújo, da Fundação Planetária do Rio, é a quantidade de energia necessária. "Precisará ter um sistema de aquecimento, sistema de reaproveitamento da água, processamento de alimentos e processamento de atmosfera. Um equipamento separando gás carbônico do ar, produzindo oxigênio... provavelmente precisaríamos de um reator."

Uma viagem para o planeta vermelho duraria pouco mais de três anos. Além de sete meses para ir e voltar seria necessário aguardar novo alinhamento entre a Terra e Marte, que demora 26 meses para acontecer. No planeta vermelho, os seres humanos ficariam expostos durante esse tempo a uma gravidade que é 38% da força que temos aqui na Terra e também a uma radiação que é 12 vezes maior que a nossa. "Alguns estudos mostram impactos no sistema imune e alterações enzimáticas", explica Patrick Jack Spencer, do Centro de Biotecnologia do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares do Brasil.

A missão também imporia questões fisiológicas e psicológicas – problemas que não acontecem quando os passageiros são sondas, satélites ou robôs. "Alguns projetos de simulação (como a Mars 500, realizada em 2010 pela Agência Espacial Europeia em parceira com a Rússia) revelaram a dificuldade de manter o emocional desses astronautas equilibrado", pontua Cassio Leandro Dal Ri Barbosa, astrônomo e professor do Centro Universitário da FEI.

Viagem bilionária. Uma missão tripulada para Marte custaria entre US$ 100 bilhões e US$ 500 bilhões. Para se ter uma ideia, o projeto da Nasa que pretende levar pessoas à Lua em 2024 deve custar cerca de US$ 30 bilhões. Um caminho para viabilizar essas viagens é a parceria entre os governos e o setor privado.

O lançamento do foguete Falcon 9 da SpaceX, em maio deste ano, foi um grande avanço nesse sentido. Em parceria com a Nasa, a empresa foi a primeira do setor privado a realizar um lançamento com humanos à órbita terrestre.

A SpaceX, inclusive, nasceu do desejo de Elon Musk de colonizar Marte. O bilionário, também dono da montadora de carros elétricos Tesla, tem uma fixação antiga pelo tema. Em janeiro deste ano, ele chegou a postar em seu Twitter que planeja levar 1 milhão de pessoas para Marte até 2050 – seria como carregar a população de Maceió para o território marciano.

Sonhos à parte, as missões desta década devem trazer mais respostas sobre o futuro da exploração do planeta vermelho. "É o caminho. Somos cada vez mais pessoas em um planeta que não aumenta de tamanho. O espaço é o futuro natural da humanidade", opinou Alexandre Cherman.

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Marcos Pontes: 'Gostaria de estar na missão'

19/07/2020

 
 

O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, entrou para a história por ser o primeiro brasileiro a ir para o espaço, feito alcançado em 2006. De lá para cá, o astronauta se afastou das missões extraterrestres e passou a explorar o terreno da política. Ganhou prestígio com o presidente Jair Bolsonaro e agora tenta colocar o Brasil no cenário espacial, mercado que movimenta cerca de US$ 350 bilhões (R$ 1,5 trilhão) ao ano.

A vida de astronauta, no entanto, não ficou totalmente para trás. Pontes observa os avanços tecnológicos do setor e ainda mantém um sonho para o futuro, mesmo que seja com passagem só de ida. "Gostaria de participar de uma missão tripulada para Marte. Mesmo sabendo que existem poucas chances de retornar para a Terra. Considerando que essa viagem vai acontecer na década de 2030, quando estarei com uma idade mais avançada, é mais lógico lançar astronautas mais velhos, com expectativa de vida menor, do que lançar astronautas mais jovens", disse ao Estadão.

Primeiro passo. O ministro vê a corrida espacial atual, a ida dos robôs a Marte, como o primeiro passo para o homem visitar o planeta vizinho. "É importante ainda desenvolver a tecnologia de deslocamento e também a de pouso em Marte, que tem atmosfera completamente diferente, muito menos densa do que a nossa. Se reparar nas tecnologias desenvolvidas para isso vai ver que já existe a intenção de fazer a viagem tripulada."

A Nasa tem um projeto para enviar a primeira viagem tripulada na década de 2030. "É muito complexo. Mas colocaria aí entre 2033 e 2037 para isso acontecer", afirma o ministro

Enquanto isso, Pontes espera melhorar as condições do Brasil no mercado espacial. O pontapé inicial para fazer isso é tornar o Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, um local atrativo para empresas de diferentes partes do mundo realizarem lançamentos.