O Estado de São Paulo, n.46294, 17/07/2020. Política, p.A10

 

Governo atrai base com verba contra a covid, diz Olimpio

Marcelo Godoy

17/07/2020

 

 

Ex-aliado de Bolsonaro, senador afirma que Planalto ofereceu de R$ 10 milhões a R$ 30 milhões a parlamentares em troca de apoio

 

Verba. Major Olimpio diz que recebeu oferta de R$ 30 milhões

Ex-bolsonarista e integrante da bancada da bala no Congresso, o senador Major Olimpio (PSL-SP) afirmou que o dinheiro para combater a covid-19 foi distribuído pelo governo de Jair Bolsonaro para pelo menos 50 senadores e 200 deputados federais a fim de garantir a construção de uma base de apoio.

"Me ofereceram R$ 30 milhões. Dinheiro da covid-19." O senador afirma que a oferta foi feita por um representante do governo. No relato de Olimpio, cada colega seu recebeu R$ 30 milhões em emendas. O governo destinara ainda R$ 10 milhões aos deputados federais.

Líder do PSL no Senado e eleito com 9,039 milhões de votos, Olimpio anunciou que está deixando o partido pelo qual foi eleito defendendo a candidatura Bolsonaro à Presidência. A razão é a reaproximação do PSL com o governo. Olimpio rompeu com o presidente após o distanciamento entre o bolsonarismo e o lavajatismo – ele participa do grupo Muda Senado, Muda Brasil, que procura se associar à Operação Lava Jato. O Estadão ouviu dois senadores – Marcos do Val (Podemos-ES) e Plínio Valério (PSDB-AM) – que confirmaram parte do relato de Olimpio.

No último dia 1.º, o governo autorizou a liberação de R$ 13,8 bilhões para cidades e Estados lidarem com efeitos da pandemia do novo coronavírus. Previstos em portaria do Ministério da Saúde, os recursos podem ser usados para contratar médicos, remédios ou produtos e serviços hospitalares.

Ao anunciar a portaria, o Ministério da Saúde informou que os municípios beneficiados foram escolhidos segundo o número de habitantes e a quantidade de dinheiro que receberam ano passado para atenção hospitalar e básica. Para os Estados, também foi levado em conta os leitos de UTI disponíveis para pacientes com coronavírus e a taxa de incidência da Covid-19 por 100 mil habitantes.

Segundo Olimpio, porém, o governo propôs a parlamentares que indicassem onde parte desse dinheiro seria alocado. "O parlamentar distribuiu o dinheiro para as bases dele. Ele não combinou com o vírus. Onde era necessário por o recurso? Onde está morrendo gente. Se era o dinheiro para o enfrentamento do Covid-19 não seriam os infectologistas, os médicos que deveriam definir onde o dinheiro é mais necessário? Em vez disso, é a planilha do senador que vale."

Técnicos. A crítica do senador é compartilhada por especialistas em Saúde Pública. Para Raul Borges Guimarães, especialista em geografia da saúde da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a pressão política pode ser importante para que o governo efetivamente libere os recursos, mas, na hora da alocação da verba, o critério deve ser técnico. "Não tem outra saída", diz ele. O epidemiologista e professor da USP Paulo Lotufo entende que a falta de testes prejudica a alocação dos recursos. Ele afirma que a distribuição de verba deve ser feita com base nos números de mortes, de pessoas que necessitam de terapia intensiva e de casos confirmados de covid-19.

Segundo Olimpio, o dinheiro gasto por meio do carimbo dos parlamentares foi oferecido pelo governo depois que o general Eduardo Pazuello assumiu interinamente o ministério. Segundo Olimpio a oferta do governo era uma armadilha. "Era para me prender o rabo com o 'toma lá, dá cá'." O dinheiro destinado por parlamentares representa o dobro de valor a que um senador tem direito por ano para gastar com emendas – R$ 15 milhões. Olimpio afirma não estar recriminando os colegas que aceitaram o dinheiro. "Estou acusando o critério absolutamente imoral de um governo que disse que jamais faria o 'toma lá, dá cá', até iludindo parlamentar. Não tem o 'dá cá hoje', mas o 'toma lá' que eu vou cobrar depois."

De acordo com ele, o governo liberou os recursos indicados pelos parlamentares há dois dias. "Já pagaram para todo mundo que aceitou. Isso está acontecendo com a Saúde em todo o Brasil. É a coisa mais macabra." No relato do senador, quando o dinheiro em emendas lhe foi oferecido, ele perguntou ao interlocutor se a oferta era para todos os senadores. E a resposta foi: "Claro que não."

Segundo Olimpio, a verba foi para os parlamentares considerados "cooptáveis" pelo governo. "Não falaram nada de votação, nada. Mas e na hora que eu batesse, iam dizer: 'Você aceitou'." Olimpio afirmou que a ideia de carimbar o dinheiro nasceu depois que deputados do Centrão reclamaram que o dinheiro da Saúde estava sendo liberado para Estados e Municípios sem que tivesse o carimbo dos parlamentares, ou seja, estivesse associado à indicação política "Aí fizeram a coisa carimbada para quem está dentro do jogo do time dos amigos."

'Imoral'

"O município onde está morrendo gente, que precisa de respirador não tem. Mas outro município onde o parlamentar tem voto, o governo manda dinheiro. É absolutamente imoral e horrível de todas as formas para o cidadão."

Major Olimpio (PSL-SP) 

SENADOR