Valor econômico, v. 21, n. 5113, 23/10/2020. Brasil, p. A4

 

Bolsonaro afaga Pazuello e ataca Doria

Andrea Jubé

Matheus Schuch

23/10/2020

 

 

Presidente tenta desfazer “mal-entendido” e diz que ‘não há problema” com ministro

Em novos desdobramentos da polêmica em torno da vacina Coronavac, que será fabricada pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, o presidente Jair Bolsonaro apressou-se ontem em desfazer o mal-estar com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a quem desautorizou publicamente. Ao mesmo tempo, renovou ataques ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que defende a vacinação obrigatória no Estado.

Em paralelo, o diretor-presidente do Butantan, Dimas Covas, disse ontem que a Anvisa retarda a permissão para a importação da matéria-prima da Sinovac - as 6 milhões de doses iniciais da vacina - que viabilizará o início da fabricação do imunizante no Brasil

Em meio à repercussão negativa entre os militares das declarações que desautorizaram o ministro da Saúde, Bolsonaro foi ontem à residência de Pazuello para garantir que não há “problema nenhum” na relação de ambos. Pazuello é general três estrelas e está na ativa.

O ministro havia anunciado a intenção de comprar 46 milhões de doses da Coronavac, mas, na quarta-feira, Bolsonaro foi a público avisar que não autorizará a aquisição da “vacina chinesa”.

“Falaram que a gente estava brigado, no meio militar é comum acontecer isso aqui, algum choque, algumas coisas”, minimizou Bolsonaro durante a visita a Pazuello, que foi transmitida em suas redes sociais.

“Pessoal, é sempre assim: um manda e o outro obedece. Mas a gente tem um carinho...”, emendou o ministro da Saúde, que está isolado em casa, porque contraiu o coronavírus. Horas depois, à noite, durante sua “live” semanal, Bolsonaro voltou a negar que Pazuello esteja sendo pressionado a migrar para a reserva se quiser continuar no ministério. “Não tem nada disso. Agora alguns desentendimentos acontecem.”

Na mesma “live”, Bolsonaro reafirmou que a vacinação contra o coronavírus não será obrigatória e disparou ataques contra João Doria. “Vamos supor que a vacina seja obrigatória. O cidadão vem a falecer. Centenas de familiares vão entrar na Justiça. Enquanto eu for o presidente não vai ser dessa forma. Ninguém vai obrigar ninguém. Se se contaminar e morrer um dia, a responsabilidade é dele.”

O presidente, então, passou a despejar palavras agressivas, sem dar nomes, mas aparentemente voltados a Doria. “O que serviu muito essa pandemia foi para revelar os aprendizes de ditadores, figuras nanicas, hipócritas, idiotas, boçais, achando que mandam no Estado dele. Vai tomar vacina? Vai tomar você, tomar o que você bem entender. Temos que ter liberdade e ponto final.”

Em paralelo, a maioria dos governadores avalia que é preciso cautela neste momento, porque, na prática, sem o aval final da Anvisa, as vacinas não existem.

Somente depois que os testes clínicos forem concluídos, quando os documentos que atestam a segurança e eficácia da vacina forem submetidos à Anvisa, a agência iniciará o processo de análise para autorizar, ao final, a fabricação do imunizante, e posterior distribuição aos brasileiros.

Há um entendimento, entretanto, de que, se a Anvisa certificar a Coronavac, os governadores poderão adquiri-la de forma autônoma. “Todo mundo pode comprar, o Estado pode comprar, desde que a Anvisa certifique”, disse ontem o vice-presidente Hamilton Mourão.

“Vamos esperar as decisões da Anvisa para qualquer outro encaminhamento”, disse ao Valor o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB). Ele ressaltou que os governadores querem a “coordenação” do Ministério da Saúde.

Em tom mais enfático, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), advertiu que, se Bolsonaro “negar arbitrariamente o acesso às vacinas”, levará a questão ao Supremo Tribunal Federal.

Dino ponderou, entretanto, que antes de qualquer judicialização é preciso aguardar a finalização dos processos das duas vacinas que estão com os testes clínicos avançados no Brasil. Além da Coronavac, a Anvisa também monitora os testes da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford com a farmacêutica britânica AstraZeneca.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Anvisa afirma que define importação em 5 dias úteis

Leila Souza Lima

Andrea Jubé

23/10/2020

 

 

Para o Butantan, atraso impacta perspectivas de produção e disponibilização de vacina contra a covid-19

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária informou ontem que, devido à transição na diretoria colegiada, a decisão sobre o pedido do Instituto Butantan para a importação de matéria-prima da farmacêutica chinesa Sinovac, para produzir a vacina Coronavac, foi colocada em “circuito deliberativo”. No formato, a votação deve ocorrer em até cinco dias úteis, dispensando-se a reunião presencial. A Anvisa soltou a nota após o instituto se queixar de que a agência estaria retardando a autorização.

Procurado pelo Valor, o Butantan informou em nota que aguarda, desde 18 de setembro, parecer da Anvisa ao pedido de importação. “A agência só deve deliberar sobre o tema daqui a três semanas, impactando as perspectivas de produção e disponibilização de vacina contra a covid-19 para a população brasileira”, pontuou a entidade.

O pedido tem caráter excepcional para agilizar o fornecimento do imunizante. “Obviamente, a vacina não será aplicada sem aprovação e registro da Anvisa, que serão requeridos ao fim dos estudos clínicos de segurança e eficácia da vacina. O Butantan espera que a Anvisa reavalie prazos e contribua para resguardar a saúde pública e a proteção dos brasileiros”, ressaltou na nota.

Em reunião entre governadores e o Ministério da Saúde, na terça-feira, para apresentar os avanços no estudo da vacina, desenvolvida junto com o laboratório chinês, o diretor do Butantan, Dimas Covas, informou que o instituto paulista contará com 46 milhões de doses, sendo que 6 milhões virão da China na forma de produto acabado e 40 milhões serão produzidas em São Paulo, com matéria-prima a ser transferida. “Estamos aguardando autorização da Anvisa e esperamos que saia rapidamente, para começarmos produção da vacina”, disse ele, na reunião.

A Anvisa soltou a nota de ontem pouco tempo depois de a “Folha de S.Paulo” divulgar que Dimas Covas havia se queixado do atraso na autorização. No comunicado, a agência ressaltou que, mesmo após a autorização do pedido de importação, a aplicação na população depende de registro sanitário no Brasil. Para isso, o Butantan precisa apresentar o conjunto de documentos que comprovem a segurança e a eficácia do imunizante contra a covid-19.