Valor econômico, v. 21, n. 5113, 23/10/2020. Brasil, p. A2

 

Comissário europeu deve cobrar do Brasil ações pré-ratificação de acordo

Assis Moreira

Daniela Chiaretti

23/10/2020

 

 

Recomendação será feita em conversa telefônica com o chanceler Ernesto Araújo

O novo comissário de Comércio europeu, Valdis Dombrovskis, e o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, terão hoje sua primeira conversa telefônica e um tema central parece claro: como salvar o acordo de livre-comércio União Europeia-Mercosul.

“A conversa será uma ocasião para a primeira discussão sobre a agenda comercial UE-Brasil e UE-Mercosul, assim como o processo de acessão na OCDE”, segundo porta-voz da UE. Fontes brasileiras falam em agenda com vários temas.

Nesta semana, Dombrovskis afirmou que a Comissão Europeia, braço executivo da UE, iniciaria novas discussões com o Mercosul, após advertências recentes de alguns líderes da UE de que o acordo com o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai não tem chance de ser ratificado no estado atual.

“Já estamos nos envolvendo com os países do Mercosul, vendo que tipo de pré-compromissos significativos podemos ter deles para garantir uma ratificação bem-sucedida”, disse.

Ao Valor porta-voz da Comissão Europeia lembrou que o novo comissário reconheceu no Parlamento Europeu, na aprovação dele para o cargo, “a profunda preocupação manifestada pelos membros, sociedade civil e nossos cidadãos. Assim, devemos redobrar nosso engajamento com nossos parceiros do Mercosul e encontrar soluções duradouras para a região amazônica. Isso será um elemento crítico no caminho para a ratificação do acordo”.

Recentemente, o Parlamento Europeu rejeitou simbolicamente o acordo birregional, com vários parlamentares manifestando “profunda preocupação com a política ambiental de Jair Bolsonaro”.

Antecedendo a primeira conversa telefônica de Dombrovskis e Araújo, a deputada Anna Cavazzini, membro do Parlamento Europeu para o Grupo Verdes/ EFA e vice-presidente da delegação do Parlamento para as relações com o Brasil, foi incisiva:

“O novo comissário de Comércio da UE deve criticar expressamente a falta de ação do governo brasileiro para proteger as regiões da Amazônia e do Pantanal das queimadas, bem como ressaltar a importância do respeito aos direitos dos povos indígenas”, afirmou. “O comissário deve deixar claro ao chanceler brasileiro que o Parlamento Europeu e o Conselho da UE não aprovarão o acordo comercial com os países do Mercosul em sua forma atual.”

Uma fonte do governo brasileiro já avisou Bruxelas que o Brasil está pronto a deixar claro o compromisso do país com todos os acordos internacionais, com o Acordo de Paris, com agenda ambiental de desenvolvimento sustentável no combate a queimadas, proteção da floresta etc. Mas a deputada, refletindo posição de parte do Parlamento Europeu, avisa que isso é insuficiente.

A avaliação é de que sem essas disposições vinculativas o acordo levará ao aumento do desmatamento na Amazônia e milhões de toneladas adicionais de emissões de CO2.

Como o Valor publicou em setembro, a inclusão de uma “declaração anexa e interpretativa” no acordo UE-Mercosul para acomodar preocupações europeias na área ambiental e outras questões polêmicas é vista como uma possibilidade entre alguns negociadores.

É algo que já foi feito no acordo UE-Canadá. Mas, desta vez, com o Mercosul isso parece insuficiente, visto do Parlamento Europeu, levando em conta o que certos analistas chamam de política de desmonte na área ambiental no Brasil.

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Resolução tenta barrar produtos do desmatamento

Assis Moreira

23/10/2020

 

 

Parlamento Europeu propõe nova legislação para erradicar desmate, destruição da natureza e violação dos direitos humanos das cadeias de suprimento nos 27 países membros

O Parlamento Europeu aprovou ontem uma nova resolução para combater desmatamento que mantém pressão sobre o Brasil e pode elevar custos para produtores agrícolas, se o texto se tornar lei na Europa, o que é muito provável.

Relatório da deputada alemã Delara Burkhardt (socialista) foi aprovado por 377 votos, 75 contra e 243 abstenção, pedindo à Comissão Europeia uma nova legislação para erradicar desmatamento, destruição da natureza e violação dos direitos humanos das cadeias de suprimento no bloco.

Uma nova lei exigiria “due diligence” pelas companhias, de forma que precisariam avaliar os riscos dos produtos importados para identificar, mitigar e excluir aqueles vindos de desmatamento.

A lei se aplicaria a commodities como soja, carne bovina, couro, óleo de palma, cacau e couro. A ideia é garantir que os consumidores europeus não adquiram produtos importados vinculados à destruição da natureza.

Os parlamentares deixam claro que políticas de comércio e investimento da UE têm de ter capítulos obrigatórios de desenvolvimento que respeitem completamente os compromissos internacionais. “Lamentavelmente tais provisões não foram inteiramente incluídas no acordo UE-Mercosul”, diz texto do Parlamento. E é justamente o que querem ver como anexo do tratado entre os dois blocos.

O relatório faz referência a vários estudos que mostrariam que proibir a entrada na Europa de produtos vinculados a desmatamento não terá impacto no volume e preços e que os custos extras para operadores seriam mínimos.

A iniciativa aprovada no Parlamento apoia a igualdade de condições de mercado ao estabelecer as mesmas regras para todas as empresas, incluindo setor financeiro. Também tem um forte enfoque no respeito aos direitos humanos, sustento e cultura daqueles que vivem dentro e fora da floresta.

O Parlamento não tem poder de iniciativa legislativa. Mas pode solicitar uma proposta da comissão, o braço executivo da UE.

Organizações não governamentais estimam que a UE é responsável por mais de 10% da destruição florestal, impulsionada pelo consumo de commodities como carne, laticínios e soja para ração animal. Segundo WWF, desde 2015, 10 milhões de hectares (mais que o território de Portugal) de florestas em todo o mundo são perdidos por desmatamento a cada ano.

Para parlamentares europeus, uma lei europeia forte é necessária, pois iniciativas voluntárias, certificações e etiquetagens por terceiros fracassaram no objetivo de frear o desmatamento global.