Valor econômico, v. 21, n. 5110, 20/10/2020. Política, p. A10

 

Senado referenda militarização de agências

Rafael Bitencourt

Vandson Lima

20/10/2020

 

 

Indicações estavam represadas há meses

A aprovação de 21 indicações para postos de comando nas agências reguladoras ontem no Senado voltou a evidenciar a disposição do governo de ocupar cargos de destaque na esfera federal com militares.

A maior parte dos sabatinados nas comissões foi de técnicos com experiência, no setor público ou privado, e especialização na área. Porém, os cargos de presidente ou diretor-geral dos órgãos foram dedicados a oficiais (da ativa ou da reserva) com carreira no Exército e na Marinha, exceto escolhas para Anac (aviação civil) e Antaq (transportes aquaviários).

A Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) aprovou Rodolfo Saboia para assumir o posto de diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), na cadeira de Décio Oddone. Neste caso, o indicado apresenta formação sólida, mas sem registro de atuação no mercado ou especialização nas áreas de produção, exploração ou comercialização de compostos energéticos regulados e fiscalizados.

Saboia é graduado em Ciências Navais na Escola Naval e com mestrado e doutorado pela mesma instituição. Após anos de dedicação à Marinha, entrou para reserva em 2012 como contra-almirante. O currículo entregue aos senadores sugere que ele é do mesmo círculo de convivência do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que é almirante de esquadra.

A Comissão de Assuntos Sociais efetivou o médico e contra-almirante Antônio Barra Torres no cargo de diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele já exercia essa função, como substituto, desde o término do mandato de William Dib. O indicado tem formação relacionada ao setor regulado e acumula experiência com atuação dentro do próprio órgão.

Torres, logo que assumiu a presidência da Anvisa, aproximou-se do presidente Jair Bolsonaro. Foi apontado pelo próprio presidente como o responsável por mantê-lo informado sobre a disposição dos órgãos sanitários dos EUA em adotar a hidroxicloroquina para tratamento da covid-19. Ele sempre teve acesso a Bolsonaro sem precisar passar pelo ministro da Saúde.

Ontem, o presidente da Telebras, Waldemar Ortunho Junior, teve sua indicação aprovada para o cargo de diretor-presidente da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Com boa parte da vida profissional no Ministério da Defesa (1973-2003), Ortunho graduou-se como oficial do Exército pela Academia Militar das Agulhas Negras e como Engenheiro Eletrônico pelo Instituto Militar de Engenharia.

A ANPD, que será criada na nomeação do seu primeiro diretor-presidente, contará ainda com mais dois militares. Um deles é Arthur Sabbat, diretor de segurança da informação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Outro é Joacil Rael, também da Telebras, formado em Engenharia da Computação, no Instituto Militar de Engenharia (IME).

O governo foi criticado pela indicação majoritária de técnicos com formação ou carreira militar para ANPD. Especialistas têm alertado para o risco de confundir segurança cibernética, que envolve ações de prevenção e vigilância por órgãos de inteligência, com a proteção de dados pessoais e direito à privacidade.

As indicações aprovadas, que incluem diretor da Anatel e ANA, ainda passarão pelo plenário.