Valor econômico, v. 21, n. 5110, 20/10/2020. Brasil, p.  A4

 

EUA investem mais no país em 2020, enquanto França diminui aportes

Fabio Graner

20/10/2020

 

 

Investimento direto americano subiu 38% no primeiro semestre, para US$ 3,4 bilhões

Apesar de o fluxo de investimento estrangeiro direto no país (IDP) estar em queda neste ano, o comportamento dos investidores tem variado conforme os países de origem. Dados do Banco Central mostram que, no primeiro semestre, os Estados Unidos elevaram em quase 38% o volume de investimento direto no Brasil, para US$ 3,4 bilhões. Por outro lado, os investimentos franceses despencaram, passando de US$ 2,4 bilhões de janeiro a junho de 2019 para US$ 500 milhões no período.

A China, que em termos de fluxo não aparece entre os maiores investidores, ampliou seu movimento de US$ 37 milhões para US$ 80 milhões na mesma comparação.

Os dados do BC sobre o IDP por países não faz mais parte da nota à imprensa sobre as contas externas e seus números agora são colocados à disposição na página da autoridade monetária na internet com uma defasagem maior. A pedido do Valor, a autoridade monetária forneceu a série semestral até 2010, que não estava aberta no site.

Os números mostram que há uma grande volatilidade nos números, o que torna difícil analisar as razões para os movimentos tão pronunciados desses países.

No caso dos Estados Unidos, o Brasil tem feito um movimento de aproximação política. Mas a alta de 37,7% nos ingressos de recursos de IDP no Brasil não necessariamente está relacionada a isso. Embora no ano passado também tenha havido alta na primeira metade do ano, em anos anteriores já houve volumes bem maiores, como os quase US$ 8 bilhões de 2017 e os US$ 4,4 bilhões de 2014.

“Os Estados Unidos têm uma tradição histórica de liderar esse tipo de interação com a economia brasileira, sempre investiram montantes consideráveis e continuam na liderança nesse quesito”, disse o professor de política internacional da UFMG Dawisson Belém Lopes.

Rival dos Estados Unidos na arena internacional, os números de IDP da China no Brasil na estatística do BC são muito baixos, embora tenham crescido neste primeiro semestre. Uma fonte do governo explica que isso ocorre porque boa parte dos recursos chineses estaria entrando por estruturas de investimentos em locais como a Holanda.

O BC, por sua vez, explica que segue os padrões do FMI para as estatísticas bilaterais de investimento direto, o que implica utilizar o país imediato de origem do IDP, e não o país do controlador final do grupo responsável pelo investimento. Não há dados de fluxo por controlador final.

Mas, pelo estoque, o número mais recente, de 2018, mostra que a China estava muito mais bem posicionada, tendo o quinto maior estoque de IDP no país, com US$ 21 bilhões, embora distante dos US$ 118 bilhões dos EUA.

De qualquer forma, analistas apontam que há entraves na relação de investimento do Brasil com um dos seus maiores parceiros comerciais do país. Dawisson Lopes diz que os investimentos do gigante asiáticos estão aquém em relação à presença daquele país no comércio brasileiro. Segundo ele, isso tem a ver com o fato de o Brasil não integrar a iniciativa “Cinturão e Rota” da China, deixando de ser destinatário preferencial dos investimentos diretos daquele país em infraestrutura. “Essa é a principal plataforma de investimento chinês e o Brasil não aderiu.”

Opinião semelhante tem o professor da FGV Direito do Rio de Janeiro e consultor do China Desk do Veirano Advogados, Evandro Carvalho. Segundo ele, além da resistência do Brasil em fazer parte do “Cinturão e Rota”, o atual governo brasileiro faz um discurso não muito amigável ao parceiro comercial, além do maior alinhamento com os Estados Unidos.

Segundo ele, a mudança de governo no Brasil diminuiu o apetite investidor chinês, pois havia muita dúvida sobre como seria a relação, além de ruídos diplomáticos com a ala mais radical do governo.

Para Carvalho, o governo deveria dialogar mais com a China no âmbito da iniciativa “Cinturão e Rota”, tendo em vista o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) local. “A iniciativa já promoveu US$ 110 bilhões de investimentos no mundo. A gente tem o PPI aqui. Dialogar não significa aderir”.

Os números do BC mostram ainda uma forte queda do investimento da França, que historicamente faz grandes aportes no país. Em termos de estoque, é o quarto maior investidor no Brasil. Uma fonte do governo diz que o dado de fluxo de IDP é muito volátil, difícil de se tirar conclusões.

O pesquisador do Cebrap Mathias Alencastro, porém, aponta que a queda abrupta pode estar associada à agenda ambiental, tema hoje muito sensível aos franceses.

“Eu partiria da hipótese de que o custo reputacional do Brasil aumentou para o investidor francês”, diz ele. “A França pode antecipar um pouco o que pode acontecer com o Brasil se a crise da imagem internacional do país por causa da questão climática se agravar. O governo do [Emmanuel] Macron pegou a dianteira nessa questão climática, dos focos da Amazônia, e foi uma das raras iniciativas dele em que foi muito bem-sucedido [em encontrar consenso na sociedade francesa] e isso tem impacto nos padrões de consumo da população... Sem mesmo precisar de medidas legais, regulatórias, a narrativa política, a imagem negativa do Brasil, já altera o padrão de consumo francês e aumenta o custo reputacional de investir no Brasil.”

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Estoque de investimento estrangeiro desaba em 2020

Fabio Graner

20/10/2020

 

 

Pandemia e forte desvalorização do real reduzem passivo externo de US$ 1,62 trilhão para US$ 1,27 trilhão

O estoque de investimento estrangeiro no Brasil despencou neste ano com a pandemia da covid-19. Motivado principalmente pela forte desvalorização do real, mas também pela queda na entrada de investimento direto e saída de capitais financeiros, o chamado passivo externo do país passou de US$ 1,62 trilhão no fim do ano passado para US$ 1,27 trilhão em agosto, o dado mais recente disponível nas estatísticas do Banco Central.

O saldo de Investimento Direto no País (IDP), aquele capital que entrou ao longo dos anos para o setor produtivo, caiu quase 20% neste ano chegando a US$ 659,8 bilhões. Já o estoque de aplicações em ações caiu 39%, e, em títulos, 17,5%, fazendo com que o estoque dos chamados investimentos em carteira somasse US$ 389 bilhões. Enquanto isso, o dólar

No primeiro caso, o movimento basicamente refere-se ao câmbio, já que, mesmo com um fluxo bem mais fraco neste ano, ainda há entrada de capital estrangeiro para o setor produtivo - US$ 26,9 bilhões de janeiro a agosto, com queda de 41,3% sobre o mesmo período do ano passado.

Em ações e títulos, os chamados investimentos em carteira, a situação é um pouco diferente. Há uma combinação de saída líquida de recursos e perda cambial, que acabou sendo compensada por algum efeito de preços (ganho com juros ou valorização) em parte desses ativos.

Economistas apontam que o movimento de um lado pode ser ruim porque pode gerar uma percepção negativa das matrizes sobre os negócios feitos no Brasil. Mas, por outro lado, essa redução do “passivo externo” representa um menor risco macroeconômico, reflexo de uma transferência para o setor do privado do risco cambial, diferentemente do que ocorria no passado em que esse risco era majoritariamente público, devido ao elevado endividamento externo.

O presidente do Conselho Federal de Economia e professor da PUC-SP, Antônio Corrêa de Lacerda, avalia que a queda de valor no estoque dos investimentos diretos tem dois aspectos importantes. De um lado, esse investidor tem uma visão de longo prazo e tende a ficar menos impactado pela oscilação dos valores em decorrência do efeito cambial. De outro, explica, com a maior financeirização da economia mundial, decisões de novos investimentos podem ser afetadas porque o montante aqui já alocado pode não estar atingindo os objetivos das matrizes.

Ele pondera que, macroeconomicamente, queda do “passivo externo” (que representa o conjunto de estoques de investimentos e empréstimos externos no Brasil) diminui a vulnerabilidade do país, já que reduz os compromissos a serem atendidos com os estrangeiros. Ele ainda reforça que a situação das contas externas brasileiras é confortável, principalmente por causa das elevadas reservas internacionais que compõem o estoque de ativos brasileiros no exterior e protege o país de choques.

O professor do Instituto de Economia da Unicamp Pedro Rossi lembra que a composição desse passivo externo demonstra uma economia menos vulnerável a choques vindos de fora do que em períodos como os anos 80 e 90, quando prevalecia o estoque de crédito público em sua composição. “Isso é bom porque o risco cambial fica com estrangeiro. Ele comprou uma ação e está em real na bolsa aqui. Vem um período de estresse, o passivo externo diminui, porque ele fica com o risco”, afirmou, lembrando que há um efeito preço dos ativos no mercado local, para além da taxa de câmbio. “Isso diminui muito a chance de uma crise financeira”, completou.

Apesar disso, ele admite que essa queda tão forte no valor principalmente dos investimentos pode alimentar alguma uma percepção negativa sobre o Brasil, piorando o perfil do ingresso de recursos. “Uma moeda muito volátil tende a atrair investimento de pior qualidade. É bom para aquele que quer ganhar com a volatilidade”, afirmou Rossi, que também levanta o fato de que a moeda brasileira tende a se valorizar ou depreciar mais forte que as de outros países, principalmente devido à elevada liquidez no mercado futuro do país.