O globo, n. 31818, 17/09/2020. Economia, p. 21

 

Pressão histórica

Eliane Oliveira

Victor Farias

Gabriel Shinohara

17/09/2020

 

 

O recente aumento das queimadas no Brasil levou a pressão de empresários e parceiros comerciais do país a níveis inéditos. No início de junho, as reações de parlamentares europeus ainda eram vistas como manifestações de protecionismo contra o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE). Desde então, houve mais de uma dezena de apelos, de carta aberta de investidores estrangeiros e empresários brasileiros, a manifestações de governos e ONGs da Europa. Na terça-feira, o vice-presidente, Hamilton Mourão, recebeu uma carta de 230 organizações e ONGs brasileiras, além de outra de um grupo de oito países europeus, que afirmam que o desmatamento dificulta a compra de produtos brasileiros. Ontem, mais de 30 ONGs pediram ao governo francês que “enterre definitivamente” o acordo Mercosul-UE.

Dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais( Inpe) mostram que, entre os dias 1º e 15 deste mês, foram identificados 20.485 focos de calor na Amazônia, contra 19.925 nos 30 dias de setembro de 2019. Já no Pantanal, foram 5.300 focos na primeira quinzena de setembro, contra 2.887 em todo o mesmo mês do ano passado.

Com isso, o Brasil está diante da maio ronda depressão, externa e interna, de sua História. Essa é a avaliação do diretor da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), Rubens Ricupero, que já foi nos EUA, ministro da Fazenda e secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

—Tenho mais de 80 anos e nunca vi isso. Nunca vi uma situação em que houvesse uma convergência externa e interna, com ONGs, grandes empresas e bancos. Há uma ou outra exceção, que não representa nem 1%, que são grileiros, madeireiros, garimpeiros, que elegeram e têm o apoio do presidente Jair Bolsonaro —afirmou.

Para Ricupero, é claro o risco de o Brasil ser fortemente prejudicado, com perda de comércio e investimentos, além do comprometimento de sua imagem no exterior:

— O Brasil tinha uma marca simpática, positiva, e agora tudo isso está sendo destruído por nada, sem ganhar nada em troca. É algo gratuito, absurdo e sem sentido.

Os alertas de que o tema ambiental ganharia peso para os investidores globais vêm sendo feitos, por gente do próprio governo, desde o fim do ano passado. Um integrante do primeiro escalão já havia alertado para uma onda de pressão e o risco de o Brasil ser escanteado do mapa de investimentos globais por não conseguir convencer que o governo tem uma mentalidade sustentável em termos ambientais.

Conhecendo a natureza pragmática de investidores locais e externos, foi sugerido, a indano início do ano, apresenta rum plano concreto para reduzir o desmatamento e as queimadas com metas de curto, médio elongo prazos. A ideia era que, ao dar uma “régua” para os investidores, o governo demonstraria melhor seu comprometimento, e os investidores entenderiam que houve esforço em direção à meta, mesmo que esta não fosse cumprida. Ou seja, a transparência seria recompensada.

O governo, no entanto, reluta em adotar metas. Mourão já afirmou, mais de uma vez, que seria “leviandade dizer que vou cortar em 50% o desmatamento”.

VIAGEM DE EMBAIXADORES

Ontem, a reação de Mourão à carta da Parceria das Declarações de Amsterdã, liderada pela Alemanha, foi dizer que pretende levar embaixadores europeus e de outros países à Amazônia. O argumento do grupo é que a alta no desmatamento impõe entraves à compra de produtos brasileiros.

“Enquanto os esforços europeus buscam cadeias de suprimento não vinculadas ao desflorestamento, a atual tendência crescente de desflorestamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores atenderem a seus critérios ambientais, sociais e de governança”, afirma a carta.

A Parceria das Declarações de Amsterdã busca garantir o fornecimento de produtos livres de desmatamento para os países europeus. Engloba Alemanha, França, Dinamarca, Itália, Holanda, Noruega e Reino Unido. A Bélgica não faz parte do grupo, mas também assinou.

Segundo Mourão, o Itamaraty vai conversar com o embaixador alemão e, caso necessário, com representantes dos demais países do grupo.

—Na carta, eles colocam os representantes deles à disposição para o diálogo, aí estamos planejando aquela viagem à Amazônia. Vai ser no final de outubro—disse, acrescentando que quer levar também embaixadores de outros países.

O vice-presidente disse que acarta és e mel han te a outras já recebidas pelo governo:

— Vocês têm que entender o seguinte: faz parte da estratégia comercial dos países europeus essa questão da cadeia de suprimentos. Isso é uma barreira. Existem barreiras tarifárias e não tarifárias, então, a gente tem que fazer a negociação não só comercial, mas diplomática e ambiental.

‘SALLES ESTÁ TRABALHANDO’

Na terça-feira, 230 entidades, entre representantes do agronegócio, setor financeiro e ONGs, enviaram uma carta conjunta ao governo federal, na qual afirmam que a redução do desmatamento no curto prazo é de “fundamental importância para o país”. O grupo propõe seis ações para uma queda rápida do desmatamento, como aumento da fiscalização, suspensão de cadastro rural em terras protegidas e proteção de áreas ameaçadas.

A carta é assinada pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne ONGs ambientais e organizações ligadas ao agronegócio, como Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e os frigoríficos JBS e Marfrig, além de empresas como Carrefour, Natura, Cargill e Klabin.

Mourão disse ontem que conversou com o grupo:

—Os pontos que eles colocam são importantes, principalmente a questão da recuperação da capacidade operacional. Citam especificamente Ibama, ICMBio e Funai. O ministro (do Meio Ambiente, Ricardo) Salles já está trabalhando nisso.

Já as ONGs que pediram a Emmanuel Macron o fim do acordo Mercosul-UE afirmaram que este seria feito “à custa de todas as considerações sociais e ambientais”. Amanhã uma comissão de especialistas, criada a pedido da França, apresentará um relatório sobre os impactos do acordo sobre o meio ambiente e a saúde dos consumidores.