O globo, n. 31818, 17/09/2020. País, p. 7

 

PF intima Bolsonaro a depor, e AGU recorre ao STF

Aguirre Talento

Bela Megale

Gabriel Shinohara

Gustavo Maia

17/09/2020

 

 

Presidente foi convocado a prestar depoimento presencialmente, mas deseja se manifestar apenas por escrito

 A Polícia Federal intimou ontem o presidente Jair Bolsonaro para prestar depoimento pessoalmente no inquérito que apura interferências indevidas na corporação. A intimação foi feita por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), que, horas após o recebimento, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para solicitar que o depoimento ocorra por escrito.

Na intimação, a PF deu ao presidente a possibilidade de escolher entre os dias 21, 22 ou 23 de setembro, às 14 horas, para prestar o depoimento e avisou que ele tem o direito de permanecer em silêncio ou não comparecer.

“Nesse sentido, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República fica cientificado do direito de permanecer em silêncio e o direito de não produzir provas contra si mesmo, bem como o não comparecimento pessoal na audiência de polícia judiciária será compreendido como opção pelo exercício do direito constitucional ao silêncio”, diz a intimação enviada pela PF à AGU.

O ministro Celso de Mello, do STF, relator do inquérito, decidiu que Bolsonaro não poderia depor por escrito, argumentando que tal prerrogativa só seria aplicada se o presidente fosse testemunha. Como Bolsonaro é investigado, isso não se aplicaria.

O prazo para contestar a decisão do ministro venceria na próxima segunda-feira. No entanto, como a intimação foi feita ontem, a AGU se adiantou. O recurso, porém, não tem efeito suspensivo.

O GLOBO mostrou que ministros do Supremo, de diferentes tendências, discordam da decisão do decano da Corte. Em 2018, o ministro Luís Roberto Barroso concedeu ao então presidente Michel Temer essa prerrogativa em inquérito a que ele respondia com base na delação da JBS.

Três ministros, de diferentes correntes na Corte, consideram que a postura adotada por Barroso é a mais adequada. A avaliação é que o posicionamento do decano pode ser visto como uma afronta ao instituto da Presidência da República. Isso porque seria desrespeitoso submeter o mandatário a um interrogatório conduzido por um delegado de polícia. Também foi criticada a autorização para que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro acompanhe o depoimento.

O inquérito foi aberto a partir das acusações feitas por Moro ao anunciar sua demissão. Na ocasião, o ex-ministro afirmou que Bolsonaro fez pressões para trocar o superintendente da PF do Rio e o diretor-geral da PF e teria interesse em frear investigações que miravam aliados seus, como o inquérito das fake news.

Após as declarações, o procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou ao STF, no fim de abril, a abertura de um inquérito. A PF tomou o depoimento de Moro, de policiais federais que pudessem ter testemunhado as pressões e de integrantes do governo federal. Além disso, a PF colheu material do celular do ministro, com as trocas de mensagens entre ele e Bolsonaro, e levantou documentos sobre o tema, como a existência de investigações em tramitação na PF do Rio que pudessem justificaraspressões do presidente.

A investigação está na reta final e o depoimento de Bolsonaro é uma das últimas diligências. Depois, a PF produzirá um relatórios obre os fatos e apontará se houve caracterização de crime por parte do presidente. Com base nesse relatório, Aras decidirá se oferece denúncia contra Bolsonaro ou se arquiva o inquérito. Caso o PGR denuncie Bolsonaro, caberá à Câmara decidir se o STF deve ou não julgar o caso.