O globo, n. 31819, 18/09/2020. Mundo, p. 30

 

Comissão de direitos humanos cede, e brasileiro sai

Ana Rosa Alves

18/09/2020

 

 

Organismo continental anuncia concurso para substituir Paulo Abrão, que atuou em governos do PT; sua reeleição foi vetada por dirigente da OEA próximo a Brasil e EUA, que alegou denúncias trabalhistas

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) anunciou ontem que desistiu da nomeação do brasileiro Paulo Abrão para um nov omanda toà frente de sua Secretaria Executiva. A renovação do mandato de Abrão havias ido rejeitada por Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos( OE A ), desencadeando questionamentos sobre a independência do conselho e uma disputa de poder que se estendia desde o fim de agosto.  

A comissão anunciou sua decisão de convocar um novo concurso para ocar gode secretário executivo, e, no comunicado, reafirmou a necessidade de garantira autonomia e a independência do órgão. Abrão, que atuou como presidente da Comissão da Anistia durante os mandatos de Lula e Dilma Rousseff, estava na Secretaria Executiva desde 2016.

Em janeiro deste ano, Abrão teve sua recondução a um segundo mandato de quatro anos aprovada de modo unânime pelos sete comissários da CIDH, eleitos pela Assembleia Geral da OEA. Em agosto, no dia em que o primeiro contrato do brasileiro expiraria, Almagro anunciou que não iria prorrogá-lo. Entre as justificativas, o secretário-geral citou um relatório sigiloso com 61 denúncias feitas por funcionários da CID H de assédio moral e violações de conduta funcional contra Abrão e pessoas ao seu redor. 

“Ao negar esta renovação contratual, [Almagro] quebra uma prática estabelecida há mais de 20 anos de respeito à decisão da CIDH de nomear seu secretário executivo e dificulta a obtenção de verdade, justiça e reparação às pessoas que sentem ter tido seus direitos trabalhistas afetados”, disse o comunicado da CIDH.

  ‘RISCO DE RETROCESSOS’

Segundo o comunicado da CIDH,ac omissão terias uge ridoà OE Aqueoman dato de Abrão fosse renovado, mas que ele permanecesse de licença até que as denúncias fossem formalmente investigadas. Como a proposta foi rejeitada, a CIDH decidiu dar o braço a torcer e convocar um novo processo seletivo para “preservar sua institucionalidade ”. A decisão teria sido tomada há duas semanas, mas foi postergada em uma tentativa derradeira de diálogo com Almagro. 

Em seu primeiro pronunciamento desde o inicio da disputa, Abrão divulgou uma carta aberta em que se disse alvo de uma“campanha de desinformação”e lamentou ter sido vetado por Alma grosem ter tido o direito de se defender em uma investigação formal, apontando ainda o risco de “instrumentalização política” das denúncias contra ele. O brasileiro afirmou que “historicamente sempre houve pressões e interesses muito poderosos contra uma CIDH ativa e eficiente”: 

“Em um contexto de risco de retrocessos em matéria de direitos humanos no mundo, de ressurgimento dos discursos nacionalistas e de tentativa de desprestígio dos organismos internacionais de promoção e proteção dos direitos humanos, é importante defender esta comissão (...) que enfrentou ditaduras e pressões autoritárias de todo tipo em seus 61 anos”, escreveu Abrão na carta.

A disputa na CIDH é mais um retrato da polarização política no continente: Almagro foi reeleito para mais cinco anos à frente da OEA em março, com o apoio de países com governos de direita, como EUA, Brasil e Colômbia. 

Em abril do ano passado, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e Paraguai elaboraram uma carta demandando que a comissão “respeitasse a autonomia dos Estados”, algo visto co mouma tentativa delimitar o seu trabalho. Após a chegada do peronista Alberto Fernández ao poder, no ano passado, Buenos Aires se distanciou desse bloco. O Equador e o governo interino da Bolívia, no entanto, se juntaram ao grupo.

 RELATÓRIO SIGILOSO

Ao vetar Abrão, o secretário geral disse sebas e arno relatóriosigiloso elaborado pela ombudspers onda OE A,acol ombianaNéi da Perez. Segundos fontes ouvidas pelo GLOBO, vários funcionários teriam abandonado a CIDH em razão do suposto assédio trabalhista. No entanto, oti mi ng do relatório,

Entregue a cinco dias do fim do mandato de Abrão, gerou desconfiança entre os próprios comissários e em outros organismos de direitos humanos. Como Pérez não tem poder de investigação, críticos afirmam que aceitar o relatório sem um processo formal vai contra o princípio de presunção de inocência do brasileiro. Foi só depois do veto a Abrão que Almagro determinou que a Corregedoria da OEA abrisse uma investigação sobre o assunto, que ainda não foi concluída. 

Anotada CID H elogia o trabalho que o brasileiro realizou, destacando sua “liderança fundamental no processo de transformação institucional que lhe foi encomendado no momento de sua seleção”. Segundo a CIDH, durante o mandato de Abrão, o órgão teve “melhoras substantivas” nas condições de trabalho de seu pessoal, com políticas voltadas para uma maior diversidade e igualdade. 

Até que um substituto seja escolhido, o cargo será ocupado interinamente pela colombiana María Claudia Pullido, secretária executiva adjunta para o monitoramento, promoção e cooperação técnica em direitos humanos.