Valor econômico, v. 21, n. 5109, 19/10/2020. Internacional, p. A11

Eleição tem recorde de votos antecipados nos EUA

Nicholas Riccardi e Angeliki Kastanis

19/10/2020

A pressa dos americanos para votar levou especialistas a prever taxa de participação maior do que em qualquer outra eleição presidencial desde 1908

Mais de 17 milhões de americanos já votaram nas eleições de 2020, um recorde de votos antecipados, impulsionado tanto pelo entusiasmo democrata quanto pela pandemia que transformou a forma como os EUA votam.

O total até agora já representa 12% de todos os votos da eleição presidencial de 2016, embora oito Estados ainda não tenham divulgado seus números e os eleitores ainda tenham mais de duas semanas para votar. A pressa dos americanos para votar levou os especialistas em eleições a prever que pode haver um recorde de 150 milhões de votos neste ano e a taxa de participação pode ser maior do que em qualquer outra eleição presidencial desde 1908.

“É uma loucura”, disse Michael McDonald, cientista político da Universidade da Flórida que acompanha as votações para o site ElectProject.org. A análise de McDonald mostra que cerca de 10 vezes mais pessoas votaram agora do que no mesmo período em 2016.

“Podemos ter certeza de que essa será uma eleição com participação muito alta”, disse McDonald.

Até agora, o comparecimento tem sido dominado pelos eleitores democratas, na proporção de 2 para 1 voto republicano nos 42 Estados incluídos na contagem da Associated Press. Os republicanos se preparavam para essa vantagem inicial dos democrata há meses, enquanto viam o presidente Donald Trump criticar o voto pelo correio e levantar temores infundados sobre fraudes. As pesquisas, e agora a votação antecipada, sugerem que a retórica afastou as bases de seu partido de um método de votação que elas tradicionalmente dominavam nas semanas anteriores ao dia da eleição.

Isso dá aos democratas uma vantagem tática na reta final da campanha. Em muitos Estados indefinidos cruciais, os democratas já “reservaram” uma parte de seus eleitores e podem destinar seu tempo e recursos aos eleitores que só votam ocasionalmente, que são mais difíceis de atingir.

Mas isso não significa necessariamente que os democratas terão o maior número de votos quando terminar a apuração. Os dois partidos preveem uma onda de votos republicanos no dia da eleição que pode mudar dramaticamente a dinâmica em questão de horas.

“Os votos republicanos vão aumentar”, disse John Couvillon, pesquisador do Partido Republicano. “A questão é: em que velocidade e quando?”

Couvillon disse que os democratas não podem se acomodar com a vantagem nos votos antecipados, e alerta que republicanos estão fazendo uma aposta arriscada. Vários fatores, desde a alta dos casos de covid-19 até o clima, podem afetar o voto presencial no dia da eleição. “Se você põe toda sua confiança em um dia de votação, isso é realmente um risco muito alto.”

É por isso que, apesar da retórica de Trump, sua campanha e seu partido têm incentivado seus eleitores a votarem pelo correio ou antecipadamente em pessoa. A campanha, que apesar da pandemia, tem enviado a campo voluntários e funcionários, promete um grande aumento no registro de eleitores em Estados indefinidos importantes, como Flórida e Pensilvânia - uma reversão brusca do padrão habitual à medida que se aproxima a data da eleição.

Mas a propaganda teve sucesso limitado em “vender” o voto à distância. Em Estados indefinidos importantes, os republicanos continuam muito menos interessados em votar pelo correio.

Na Pensilvânia, mais de três quartos das mais de 437 mil cédulas enviadas até agora por correio são de democratas. Na Flórida, metade das cédulas enviadas por correio até agora são de democratas e menos de um terço são de republicanos. Mesmo no Colorado, onde eleitores receberam cédula pelo correio e republicanos geralmente dominam na primeira semana de votação, apenas 19% das cédulas devolvidas são de republicanos.

“Tudo isso é encorajador, mas três semanas é uma vida inteira”, disse o estrategista de dados democrata Tom Bonier a respeito dos números da votação antecipada. “Podemos estar na metade do primeiro tempo e os democratas marcaram dois pontos no placar.”

O enorme volume de votos ocorreu sem nenhum incidente violento nos locais de votação que alguns ativistas e a polícia temiam. Houve algumas falhas graves - 100 mil cédulas para votação por correio defeituosas foram enviadas em Nova York, e 50 mil em Columbus (Ohio), e um fornecedor que abastece esse Estado e a Pensilvânia responsabilizou a forte demanda por atrasos no envio das cédulas. Mas há poucas evidências dos transtornos massivos que alguns temiam quando as seções eleitorais tiveram de mudar abruptamente para lidar com a avalanche de votos antecipados.

Tem havido filas extraordinárias e esperas de muitas horas na Geórgia, no Texas e na Carolina do Norte, que abriram a votação pessoal antecipada. Em parte, demoras se devem a recursos insuficientes, o que ativistas veem como meio de impedir eleitores de votar.

Os republicanos argumentam que esses sinais de entusiasmo são inócuos - que os eleitores democratas que votaram antecipadamente são pessoas que teriam votado de qualquer maneira. Mas uma análise da Associated Press sobre a votação antecipada mostra que 8% daqueles que já votaram nunca tinham votado antes, e 13,8% votaram em metade (ou menos) das eleições anteriores para as quais podiam se registrar.

Os dados também mostram que os eleitores adotaram a votação por correio, que as autoridades de saúde dizem ser a maneira mais segura de evitar a covid-19. Entre os que já votaram, 82% usaram o correio e 18% o fizeram pessoalmente. Eleitores negros são responsáveis por 10% dos votos antecipados, quase a mesma participação que têm no eleitorado nacional, segundo análise da AP com dados da L2, empresa de dados políticos. Isso é sinal de que esses eleitores, antes menos inclinados a votar por correio do que brancos e latinos, se entusiasmaram com o método.

Até o momento, eleitores mais velhos dominam o voto por correio - metade das cédulas é de pessoas com mais de 64 anos. Tradicionalmente, eleitores mais jovens e de minorias enviam suas cédulas por correio perto do dia da eleição ou votam pessoalmente.

Em vários Estados, as cédulas de correio já devolvidas superam em muito o total de votos de eleições anteriores. No Wisconsin, o número de votos por correio é cinco vezes superior ao total de votos de 2016. Na Carolina do Norte, o número é quase o triplo até agora.

A votação antecipada pessoalmente começou na semana passada em vários Estados importantes e também quebrou recordes, principalmente em áreas metropolitanas populosas com tendência democrata. No Texas, o condado de Harris, de Houston, já chegou a um recorde de 125 mil votos. Na Geórgia, filas de horas se estendiam para fora das seções eleitorais em boa parte das áreas urbanas do Estado.