Título: 475 vítimas de tráfico internacional
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 27/02/2013, Brasil, p. 6

Para contrariar quem considera o tema um mero enredo de novela, o governo federal divulgou ontem o primeiro relatório sobre tráfico de pessoas no país. Os dados mostram que, de 2005 a 2011, 475 brasileiros foram vítimas de organizações criminosas internacionais para fins de exploração sexual e trabalho escravo. Uma média de 68 casos por ano. Ou uma vítima a cada cinco dias. As informações também apresentam um retrato da impunidade no Brasil ao apontar que somente 60% dos 157 inquéritos instaurados pela Polícia Federal no período resultaram em processos judiciais. Para mudar essa realidade, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu à sociedade que denuncie e anunciou que vai propor mudanças legislativas.

Ao lançar o II Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, com as ministras Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Eleonora Menicucci (Políticas para as Mulheres), Cardozo ressaltou que as falhas na legislação brasileira — que prevê apenas o tráfico de pessoas para exploração sexual, ignorando outras finalidades como trabalho escravo e remoção de órgãos — não são o maior problema. “O que dificulta muito (as investigações) é o fato de as pessoas não denunciarem, terem medo de fazê-lo”, afirmou Cardozo. Menicucci anunciou que o Disque 180, canal de denúncias de violência contra a mulher, será estendido a outros países, como a Inglaterra e El Salvador. O serviço já está disponível na Espanha, Portugal e Itália, além de funcionar no Brasil.

Os principais países onde foram encontrados brasileiros traficados são Suriname, Suíça, Espanha e Holanda. Das 475 vítimas identificadas de 2005 a 2011 pelo Ministério das Relações Exteriores, 337 sofreram exploração sexual, e 135, trabalho escravo. Sobre três casos, não há dados claros a respeito da finalidade do tráfico. No período, foram indiciadas 381 pessoas — das quais 55% são mulheres. Elas se destacam na função de aliciadoras, recrutadoras ou traficantes. Apesar dos indiciamentos, foram presas apenas 158 pessoas. Atualmente, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) registra, com dados atualizados em junho de 2012, 78 detidos por tráfico internacional e interno de pessoas. Vinte e um são mulheres.

O tráfico interno, escancarado por um caso recente em Altamira (PA) onde mulheres e adolescentes eram mantidas em uma boate de prostituição, também foi detalhado pelo governo federal. Dados das polícias militares de todo o país apontam a existência de 1.735 vítimas de tráfico interno para exploração sexual entre 2006 e 2011. Houve 31 indiciados pela PF e, no mesmo período, 117 pessoas estiveram presas pelo crime.

Incentivo O principal objetivo do II Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, lançado ontem, é fortalecer a rede de atendimento às vítimas, além de incentivar denúncias. Hoje, existem apenas 13 postos avançados em locais de grande movimentação, como aeroportos e rodoviárias, e 16 núcleos estaduais especializados em tráfico de pessoas. Estão previstas a ampliação dos centros, a capacitação de agentes públicos, a modernização da legislação, campanhas educativas, entre outras ações, até 2016.

Para o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico de Pessoas da Câmara dos Deputados, Arnaldo Jordy (PPS-PA), o plano do governo federal é bem-vindo, mas chega atrasado. “( O plano) É um conjunto de diretrizes que estava engavetado havia mais de um ano e que foi alvo de cobranças de entidades civis e da própria CPI”, destaca o deputado.

Cardozo negou que o anúncio das ações tenha relação com o destaque que o assunto ganhou nos últimos meses — por ser tema de uma novela. “É uma feliz coincidência que no momento em que finalizamos o trabalho do segundo plano o assunto esteja sendo pautado pelos meios de comunicação”, disse. Eleonora Menicucci afirmou que os casos reais são “muitos piores” do que os mostrados na teledramaturgia.