O Estado de São Paulo, n.46289, 12/07/2020. Política, p.A8

 

Covid segura prefeito cassado no cargo

Bianca Gomes

12/07/2020

 

 

TSE decide que políticos condenados por crime eleitoral, como compra de voto, não devem deixar mandato agora devido à pandemia

Pandemia. Luis Roberto Barroso preside sessão do TSE

O prefeito de Ribeira do Piauí (PI), Arnaldo Araújo (MDB), foi condenado por crime eleitoral, acusado de distribuir dinheiro e material de construção em troca de votos, além de comprar 44 passagens aéreas para levar eleitores de São Paulo até a cidade para votarem nele em outubro de 2016. As provas foram consideradas suficientes para cassar o mandato em julgamentos de primeira e segunda instâncias. Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no entanto, mantém Araújo no cargo e pode beneficiar outros prefeitos prestes a perder seus mandatos.

No último dia 1.º, ao julgar os caso de Araújo e de Romeiro Mendonça (Progressistas), prefeito de Presidente Figueiredo (AM), o TSE entendeu que trocar chefes do Executivo municipal agora poderia atrapalhar políticas de combate à covid-19 e que novas eleições em meio à pandemia ofereceriam riscos à saúde pública. Apesar de o presidente da Corte, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, ter afirmado que novos casos serão analisados individualmente, especialistas afirmam que essa será a jurisprudência.

O ministro Og Fernandes, relator do caso da cidade do Piauí, argumentou que a pandemia exige cautela com decisões que impliquem "mudança abrupta na gestão". "A Corte entendeu que era menos nocivo manter os dois prefeitos cassados no cargo do que fazer uma eleição e submeter a população ao risco da pandemia", diz Marco Tanoeiro, advogado especialista em Direito Administrativo.

Até 7 de julho, Ribeira do Piauí registrou quatro casos de covid-19, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. Dois pacientes já se recuperaram e outros dois continuavam em tratamento até a conclusão desta edição. Localizado a 365 km de Teresina, o município de 4,5 mil habitantes tem uma Unidade Básica de Saúde, sem leitos exclusivos para infectados pelo vírus. Quem precisem de internação é encaminhado a Floriano, distante cerca de 170 km. Araújo não foi localizado pela reportagem.

Recondução. Também na sessão do dia 1.º, o TSE discutiu a cassação do prefeito de Presidente Figueiredo. Romeiro Mendonça e seu vice foram afastados e reconduzidos ao menos duas vezes, desde novembro do ano passado, devido a recursos julgados pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) e pelo próprio TSE. O prefeito é acusado de não identificar a origem de 80% do dinheiro arrecadado por sua campanha há quatro anos.

"Impõem-se evitar sucessivas alternâncias nas chefias do Executivo. A saída imediata dos agravantes (prefeito e vice) significaria a quarta mudança de gestão em poucos meses, dada as sucessivas interposições de recursos", afirmou Salomão, em 1.º de julho. Assim como fez com o prefeito piauiense, o TSE manteve a condenação de Mendonça por abuso de poder econômico, mas o deixou no cargo.

"Não tem sido fácil", disse o prefeito sobre a alternância no poder. "Mas tenho experiência. Estou no terceiro mandato. Graças a isso, dá para enfrentar a pandemia", avaliou. Com cerca de 36 mil habitantes, Presidente Figueiredo teve 20 mortes e 1.255 registros de covid-19 até 7 de julho. A cidade, que fica a 117 quilômetros de Manaus tem 23 leitos exclusivos para coronavírus, segundo Mendonça.

Alternativas. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a decisão do plenário do TSE no caso dos dois prefeitos dá um "salvoconduto" a políticos que cometeram crimes eleitorais e ignora outras saídas possíveis para a cassação do chefe do Executivo municipal. Manter os prefeitos nos cargos para poupar a população do perigo de ir às urnas durante a pandemia não era a única alternativa, segundo o professor de Direito Welington Arruda. "Como a decisão do TSE se deu seis meses antes de terminar o mandato, poderiam ter determinado eleições indireta." Nesse caso, novos prefeito e vice seriam escolhidos pela maioria absoluta dos vereadores da cidade.

"A Justiça Eleitoral demorou quatro anos para julgar o caso. Enquanto isso, a população foi governada por uma chapa que fraudou a eleição. Agora, esses prefeitos foram condenados e nunca vão pagar por isso", afirma Tanoeiro. "Com essa decisão da Corte, outros casos vão seguir o mesmo caminho."

Foi o que aconteceu com o prefeito de Iacanga (SP), Ismael Edson Boiani (PSB), no último dia 7. Cassado em maio por uso irregular de fundo para educação, ele voltou ao cargo após decisão do TSE. Barroso, relator da ação, citou a decisão tomada em 1.º de julho como jurisprudência.

Mal menor

"A Corte entendeu que era menos nocivo manter os dois eleitos cassados no cargo do que fazer uma eleição e submeter a população ao risco da pandemia."

Marco Tanoeiro

ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO ADMINISTRATIVO