Correio braziliense, n. 20954, 06/10/2020. Cidades, p. 15

 

Curados, mas sempre alertas

Alan Rios 

06/10/2020

 

 

Entre os 195 mil casos da covid-19 no Distrito Federal, 185 mil moradores da capital tiveram contato com o vírus e estão curados. A quantidade de pessoas que foram contaminadas levanta debates sobre a imunidade de rebanho e a possibilidade de flexibilizar as medidas de combate à pandemia. Mas, os especialistas alertam que mesmo os curados podem facilitar a transmissão do novo coronavírus. Outro fator que torna as recomendações de distanciamento social ainda mais importantes é a possibilidade de uma segunda onda de infecções. Com o cenário atual, ainda sem uma vacina finalizada, manter os cuidados continua sendo a melhor forma de combate à covid-19.

Como a doença é nova na literatura científica, ainda há muitas dúvidas da população em geral e buscas por respostas entre médicos e pesquisadores. A possibilidade de uma segunda contaminação, por exemplo, ainda traz questionamentos. “O problema da reinfecção é que temos de tratar com cuidado, porque é complexa e rara. Mas alguns pacientes permanecem com teste positivo por um período prolongado aos 14 dias, mas pode ser uma infecção por outro vírus ou pode ter ficado um resíduo nasal na hora da coleta do PCR, que é só um fragmento viral”, explica Joana D’arc Gonçalves, professora de infectologia do UniCeub. Por isso, o entendimento da sociedade médica é de que grande parte dos curados tem anticorpos que não permite uma reinfecção, mas, como pontua a especialista, eles podem servir como “vetor da covid-19”.

“O coronavírus não é transmitido mais através das vias aéreas de uma pessoa que já foi contaminado e se curou. Mas, se ela toca em uma superfície e esse é um local com vírus, ela pode acabar levando isso nas mãos para outro alguém e contaminar de forma mecânica”, diz Joana D’arc. Por isso, os cuidados com a máscara são essenciais. “Tem gente que dispensa a máscara em qualquer lugar, em  vez de guardar em um saquinho plástico, ou compartilha com familiares. Essa má utilização também é fonte de infecção, não só de coronavírus, mas de outras doenças”. De acordo com a infectologista, é preciso manter os cuidados e refletir sobre mudanças de cultura para evitar todo tipo de contaminação.

Pelos outros

A psicóloga Roberta Castelo Branco, 34 anos, e o marido, o bombeiro Lauro Castelo Branco, 45, foram diagnosticados com a covid-19 em junho. Ela apresentou sintomas mais leves. Com quadro mais grave, ele precisou ficar internado por cinco dias em uma unidade de saúde particular, devido o desenvolvimento de uma pneumonia. Hoje, os dois fazem parte dos curados da doença, mas seguem tomando os cuidados necessários para evitar a contaminação de outras pessoas.

“A gente mantém todas as orientações possíveis. Usando a máscara o tempo todo, tirando a roupa suja quando chegamos em casa para não trazer nada de fora. Temos dois filhos que não tiveram a infecção, então eles nem chegam perto de nós quando chegamos do serviço. É um cuidado com eles e também com as pessoas do nosso convívio, porque eu, por exemplo, trabalho com atendimentos presenciais e não quero expor ninguém”, relata.

Outra preocupação do casal foi o físico e psicológico do pós-covid. Apesar de ter se sentido bem durante os 14 dias da contaminação, Roberta conta que teve sintomas fortes após quase um mês do exame positivo. “Senti fadiga, cansaço e tive crise de vômitos e tontura. Os exercícios que eu fazia me davam uma sensação de exaustão, como se eu tivesse ficado o dia inteiro na academia. Precisei ir ao neurologista, mas meus testes não deram alterações”, lembra. Os dois passaram por sessões de fisioterapia respiratória para uma qualidade de vida melhor. “O psicológico também fica abalado. Meu marido começou a ter ansiedade, coisa que nunca teve. Tem muita gente relatando sequelas. Então, surgem dúvidas sobre o que fazer, se a gente precisa tomar algo para melhorar a imunidade e se podemos pegar o vírus de novo, porque tem gente que diz que sim, tem gente que diz que não”, comenta.

Alexandre Cunha, vice-presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, detalha o que se sabe sobre as possibilidades de uma segunda contaminação. “O que existe hoje são casos raros de reinfecção. Diante da quantidade de infectados, são dados estatisticamente irrelevantes. Ou seja, embora seja possível, embora a gente tenha alguns casos na literatura, quando analisamos o contexto geral, não é relevante”, afirma. O especialista também comenta que casos de sequelas são mais comuns em quadros clínicos de infecção mais graves. “Geralmente, elas surgem em pacientes que precisaram de internação, que tiveram um comprometimento pulmonar intenso. Eles podem permanecer com falta de ar ou sintomas neurológicos”, diz.

Dúvidas

O servidor público Rodrigo Vieira, 33, foi um dos curados que apresentou esses sintomas leves e agora está atrás de respostas para o período pós-contaminação. “As dúvidas são várias. Eu mesmo fiz um exame sorológico e o resultado foi inconclusivo para mostrar se adquiri anticorpos, então fiquei na dúvida se estou imune ou posso me contaminar novamente. Também não sei se preciso fazer testagem sempre que for viajar. Peguei a doença em junho e tive apenas uma alteração no paladar. Sinto que o gosto do refrigerante mudou, não é mais o mesmo, mas só isso”.

A infectologista Joana D’arc explica que os curados devem ficar atentos aos sintomas pós-contaminação e manter alguns hábitos para deixar o corpo saudável. “Algumas pessoas que tiveram casos leves ficam com perda do olfato, paladar, cansaço físico prolongado ou até manifestações neurológicas. A não ser que elas tenham alterações severas, a maioria das sequelas são reversíveis, vão voltar ao normal, é só esperar um pouquinho mais de tempo. Mas, para manter a saúde e a vitalidade, precisamos seguir com a alimentação balanceada e a reposição de nutrientes. Cada pessoa tem uma resposta de acordo com o próprio organismo, mantê-lo saudável é essencial”, comenta. Em casos mais graves, a orientação é procurar atendimento especializado para cada situação específica.

O médico Luciano Lourenço, clínico geral e coordenador do Pronto-Socorro do Hospital Santa Lúcia, lembra que existem diferentes complicações da covid-19 e diferentes modos de manter-se saudável no período pós-contaminação. “Uma infecção viral, em especial aquela do coronavírus, gera inflamações crônicas no organismo de quem teve, no intestino, rins, coração e, preferencialmente no pulmão. Os padrões cronificados precisam de cuidados extras”, avalia.

Essas cautelas passam por um estilo de vida mais saudável. “É preciso ter uma hidratação bem-feita, rigorosa. Pensando no intestino, procurar alimentos leves, porque comidas como pizza, hambúrguer, coisas fritas ou açucaradas, fazem com que as inflamações não se recuperem. Pensando em pulmão e coração, atividades físicas regulares são essenciais, não só uma ou duas vezes por semana, precisa de regularidade, com algo leve todos os dias como uma caminhada de 45 a 60 minutos”, detalha Luciano.

3.346 mortos

O Distrito Federal soma 195.967 pessoas infectadas pelo novo coronavírus e 3.346 vítimas da covid-19, segundo o último boletim da Secretaria de Saúde, divulgado ontem. Em 24 horas, foram registrados 554 casos e 21 óbitos. Do total de ocorrências na capital, 185.618 são de pacientes considerados recuperados da doença.

*Colaborou Caroline Cintra