O globo, n. 31816, 15/09/2020. País, p. 8

 

Exército pediu sigilo sobre armas para evitar "crise"

Francisco Leali

15/09/2020

 

 

Militares alegaram à CGU que divulgação de portaria sobre controle de munições traria problemas 'institucionais' e 'midiáticos'

 Troca de e-mails entre o Comando do Exército e a Controladoria-Geral da União (CGU) revela que os militares pediram para manter em sigilo documentos relacionados à elaboração de portarias que tratavam de regras sobre controle da produção de armas e munições, alegando que a divulgação dos estudos poderia provocar uma crise “institucional e midiática”. As portarias foram revogadas em abril deste ano por determinação do presidente Jair Bolsonaro. Em mensagem, o Exército diz ainda que o tema das portarias contém “viés político e ideológico muito exacerbado”.

Obtidas com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), as mensagens entre CGU e o gabinete do comandante do Exército expõem a preocupação da Força militar de não tornar público um tema que desagradou Bolsonaro.

Até então, a justificativa oficial do Exército e raque os estudoscontinham erros e precisavam ser revistos para edição de nova portaria. Os e-mails fazem parte do processo aberto pela CGU para analisar seis pedidos de informação sobre o tema, um deles de autoria de jornalista do GLOBO. O Exército havia negado todos os pedidos, e o caso foi para a CGU, instância de recurso prevista na LAI quando um órgão federal se nega a informação.

O GLOBO revelou em agosto que o sigilo dos estudos que embasaram a edição das portarias foi mantido pela CGU, apesar de parecer interno determinando a liberação dos documentos. Novos registros mostram detalhes de como a Controladoria tomou a decisão a favor do Exército. A legislação prevê que, para decidir sobre um recurso de pedido negado, a CGU pode pedir esclarecimentos ao órgão.

INFORMAÇÕES ANTECIPADAS

No dia 3 de agosto, assessor do gabinete do comandante do Exército, identificado na mensagem como coronel Albuquerque, apedido da C GU, enviou e-mail com as justificativas da Força para não liberar os papéis. Na mensagem, o oficial sustenta que a divulgação dos estudos técnicos produzidos para editar as portarias revogadas poderia “comprometer o bom andamento do trabalho” de produção de nova portaria sobre o controle de armas.

Ele indica que caso os dados viessem a público poderiam antecipar informações privilegiadas a empresas do setor. E acrescenta :“O assunto possui um viés político e ideológico muito exacerbado, devido a atual conjuntura social do país, com potencial de gerar crises institucionais e midiáticas que causarão pressões desnecessárias sobre as equipes de estudo, contaminando suas percepções”.

“A contaminação sofrida pela disputa ideológica em curso, comprometerá a necessária neutralidade do ato normativo colimado pelo Comando do Exército”, reforçou o oficial na mensagem à CGU.

—A sociedade civil tem advogado que o tema seja tratado com lastro técnico nas decisões sobre o controle de armas para minar justamente o debate ideológico que parece vir mais da parte do governo — disse a diretora-executiva da Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.

Segundo ela, o governo tenta encontrar uma justificativa técnica para uma decisão política de Bolsonaro.

Os argumentos do Exército não convenceram a auditora da CGU que analisava o caso e emitiu parecer determinando a liberação dos estudos. Mas seus superiores discordaram e o sigilo foi mantido, como revelou o GLOBO em agosto. Procurado, o Comando do Exército não se manifestou.