Valor econômico, v. 21, n. 5108, 16/10/2020. Política, p. A11

 

Senador é investigado por esquema em licitação na área da saúde

Vandson Lima

Renan Truffi

16/10/2020

 

 

Chico Rodrigues escondeu R$ 250 “bem no interior de suas vestes íntimas”

Ao determinar o afastamento do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) de suas funções no Congresso Nacional por 90 dias, o ministro Luís Roberto Barroso, Supremo Tribunal Federal (STF) revelou detalhes da operação de busca e apreensão em que o parlamentar foi pego tentando esconder milhares de reais em suas roupas íntimas. Recheado de passagens escatológicas, o episódio deverá ser a base da representação por quebra de decoro à qual Rodrigues terá de responder no Conselho de Ética do Senado.

A investigação se refere a potenciais desvios de recursos públicos que deveriam ter sido aplicados no combate à pandemia da covid-19 em Roraima. Rodrigues estaria envolvido em um esquema de direcionamento de processos licitatórios para uma empresa, a Quantum Empreendimentos em Saúde, cujo sócio seria cunhado de sua assessora parlamentar. O ex-secretário de Saúde de Roraima, Francisco Monteiro, também faria parte do esquema, “todos atuando em divisões de tarefas, em claras características de organização criminosa”, segundo a PF.

De short azul tipo pijama e uma camisa amarela, o senador recebeu os agentes da Polícia Federal em sua residência às 6h da manhã de quarta-feira. Abriu o cofre no armário em seu quarto, onde havia R$ 10 mil e US$ 6 mil em dinheiro vivo. Quando a polícia fazia a busca no quarto de seu filho, Pedro, o senador perguntou se poderia ir ao banheiro, recebendo autorização, desde que fosse acompanhado. Foi neste momento que Delegado Wedson Cajé percebeu que havia “um grande volume, em formato retangular, na parte traseira das vestes do senador”.

Rodrigues ficou bastante assustado quando o delegado perguntou que volume era aquele e disse que não havia nada. “Ante a fundamentada suspeita, já que o volume destoava completamente do pijama utilizado pelo senador, o delegado decidiu fazer uma busca pessoal no senador, a qual foi filmada por policiais federais”. No interior da cueca do senador, próximo às suas nádegas, maços de dinheiro que totalizaram a quantia de R$ 15 mil foram encontrados.

Já na sala de sua residência, o senador foi questionado se escondia mais. Negou. Indagado pela terceira vez, com bastante raiva, Chico Rodrigues “enfiou a mão em sua cueca, e sacou outros maços de dinheiro, que totalizaram a quantia de R$ 17.900”, apontou o documento.

E não era tudo. A equipe policial efetuou nova busca pessoal, achando mais R$ 250. “Esta equipe policial possui um vídeo da segunda busca pessoal efetuada, contudo, considerando a forma como os valores foram escondidos pelo senador bem no interior de suas vestes íntimas, deixo de reproduzir tais imagens neste relatório para não gerar maiores constrangimentos”, apontou o relato.

A PF chegou a solicitar a prisão preventiva de Rodrigues. “Caso o investigado não titularizasse o mandato de senador da República, dúvida não haveria acerca da sua imediata prisão em flagrante”. Barroso, contudo, avaliou que há dúvidas no entendimento do STF sobre prisões preventivas de parlamentares. Por isso, determinou o afastamento, que por sua vez precisa ser chancelado pelo Senado.

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Rodrigues é afastado do mandato por ordem de Barroso

Renan Truffi

Vandson Lima

Matheus Schuch

Luísa Martins

16/10/2020

 

 

Senado ainda precisa chancelar decisão, enquanto Alcolumbre articula reeleição no Supremo

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem o afastamento, por 90 dias, do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), alvo de busca e apreensão por supostos desvios de recursos públicos que deveriam ter sido aplicados no combate à pandemia de covid-19 no Estado de Roraima. A decisão, que pode ser renovada em caso de necessidade, foi encaminhada ao Senado e agora caberá aos pares do parlamentar manter ou não o afastamento dele.

Segundo informou o gabinete de Barroso, o afastamento está em vigor até que haja decisão final do Senado. A análise do caso se dará num momento em que o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tenta articular com o Supremo uma forma de poder disputar a reeleição. Rodrigues já precisou deixar o cargo de vice-líder do governo Jair Bolsonaro e pode ser convencido a pedir uma licença, o que evitaria assim um choque entre o Legislativo e o Judiciário.

A operação foi autorizada pelo STF e os agentes da Polícia Federal encontraram, na quarta-feira, maços de dinheiro em cofres e também nas partes íntimas do parlamentar. A decisão de Barroso foi tomada a partir de representação feita por uma delegada da PF, na qual ela narra a suposta ocorrência de crime em flagrante.

Barroso avaliou que “existe possibilidade real” de que o senador, permanecendo em exercício, utilize seu poder para dificultar as investigações. “Ele poderia continuar a cometer os supostos delitos já que integra comissão parlamentar responsável pela execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas à covid-19.”

O caso envolvendo Chico Rodrigues constrangeu, de uma vez só, o presidente Jair Bolsonaro, o Senado e o DEM, partido do senador, do presidente do Congresso e também do presidente do Conselho de Ética, Jayme Campos (MT).

Logo no início do dia, o presidente tratou de tentar se afastar do episódio. Em conversa com apoiadores, disse que a operação da PF é “fator de orgulho” e prova que não há proteção de ninguém nas investigações de corrupção. “Alguns acham que toda a corrupção tem a ver com o governo. Não! Nós destinamos dezenas de bilhões de reais para Estados e municípios, tem as emendas parlamentares também, e, de vez em quando, não é muito raro, a pessoa faz uma malversação desse recurso”, disse.

O esforço do presidente não parou por aí. Ele acionou integrantes da base aliada para que eles tentassem convencer o senador a deixar o posto de vice-líder. A pressão deu certo: Rodrigues logo anunciou que estava abdicando do cargo para “provar” a sua inocência.

Apesar das ofensivas de Bolsonaro para se desvencilhar do problema, Chico Rodrigues é um dos congressistas mais fiéis ao presidente desde o início do mandato. Ainda no primeiro ano de gestão, ele chegou a nomear um sobrinho de Bolsonaro como assessor.

O DEM, partido de Chico Rodrigues, adotou o mesmo caminho. A cúpula do partido negocia um acordo para que o parlamentar de Roraima peça licença temporária da legenda. A avaliação é que o caso deixou um clima “muito ruim” para a sigla. Em última hipótese, os dirigentes não descartam aplicar sanções contra o parlamentar.

Já o Senado ficou numa situação “extremamente delicada”, segundo interlocutores do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O Valor apurou que Alcolumbre deve voltar à Brasília no sábado, quando se reunirá com a Advocacia do Senado e discutirá qual a melhor saída para o pedido de afastamento.

Um dos principais problemas é que, na semana que vem, está marcado o “esforço concentrado” e a sabatina do desembargador Kassio Marques, indicado para ocupar uma vaga no STF. Os líderes partidários têm alertado Alcolumbre sobre o tamanho do constrangimento se Chico Rodrigues aparecer para votar nesse caso. Foi em razão desse problema que alguns parlamentares tiveram a ideia de que o próprio Rodrigues pedisse para se licenciar, mas a solução não agradou ao parlamentar, que teria declinado. Além disso, o suplente de Chico Rodrigues é seu próprio filho, também investigado.

Há ainda incertezas em relação ao trâmite de afastamento de senador. A Casa votou esse tipo de pedido uma única vez, em 2017, quando o alvo foi o então senador Aécio Neves (PSDB-MG). Na época, os parlamentares optaram por rejeitar o pedido do STF, mas agora há uma dúvida sobre qual lado tem a obrigatoriedade de entregar a maioria dos votos: os que desejam o afastamento de Chico Rodrigues ou aqueles que o defendem.

Enquanto Alcolumbre e aliados debatem uma saída institucional, o grupo “Muda Senado” já anunciou que vai acionar o Conselho de Ética da Casa e partidos de oposição podem aderir à iniciativa. Para aliados de Rodrigues, o melhor a fazer é encarar o colegiado de peito aberto, utilizando-o como espaço para fazer a própria defesa.

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Ex-vice-líder indicou para cargo em RR

Maria Cristina Fernandes

16/10/2020

 

 

Senador empregou parente dos filhos de Bolsonaro e controlava distrito sanitário especial indígena

Em entrevista na manhã de ontem, à saída do Palácio do Alvorada, o presidente da República, Jair Bolsonaro, disse que a operação de busca e apreensão da Polícia Federal na casa do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) é uma demonstração de que seu governo não tem corrupção. Na tentativa de se descolar do vice-líder do seu governo no Senado flagrado com dinheiro grotescamente escondido, o presidente disse que seu governo, na verdade “combate a corrupção”.

Coube ao senador, porém, a indicação, em 2019, de Vitor Pacarat como coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Leste, em Roraima, um dos 34 DSEIs do país. Os distritos, responsáveis pelas comunidades indígenas, estão sob o chapéu do Ministério da Saúde. As etnias sob a supervisão do DSEI Leste tinham um outro candidato para o cargo e ocuparam as instalações do órgão em protesto.

As investigações da Polícia Federal mostram que, com o advento da covid-19, o senador, por meio de empresas comandadas por familiares e aliados, passou a fornecer equipamentos de proteção individual superfaturados ao DSEI. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) aponta este distrito como um dos recordistas em casos de covid-19 entre as comunidades indígenas do país. O DSEI Leste é responsável pela saúde de 51 mil indígenas de 325 comunidades.

 A aproximação entre Chico Rodrigues e o governo também ficou patente quando o senador acompanhou o chanceler Ernesto Araújo na recepção ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, em Roraima. O secretário fez da visita um palanque para um discurso ameaçador ao presidente venezuelano Nicolás Maduro na reta final da campanha eleitoral americana. A adesão de Chico Rodrigues aos princípios da política externa bolsonarista também motivou o convite para que integrasse a comitiva do presidente na viagem a Israel, em 2019.

Em vídeo, ainda na campanha eleitoral, Bolsonaro diz que tem, com o senador, seu colega na Câmara dos Deputados por cinco mandatos, “quase uma união estável”. A proximidade também foi retribuída com o emprego, no gabinete do senador, do primo dos filhos do presidente, Leonardo Rodrigues, mais conhecido como “Leo Índio”.

Menor colégio eleitoral do país, com 331 mil eleitores, Roraima costuma ficar de fora das rotas dos candidatos a presidente em campanha. Não foi o caso de Jair Bolsonaro, que lá teve uma de suas mais expressivas vitórias. Alcançou 78,6% dos votos no segundo turno, patamar só batido pelo Acre (82%).

Fez campanha no Estado com um discurso em defesa da mineração em terras indígenas e contra a “exportação” de refugiados pela Venezuela.

Eleito com apoio do presidente, o governador Antonio Donarium (PSL) foi um dos sete a não assinar a carta dos governadores que, no início da pandemia, protestou contra as ameaças do presidente da República às instituições. Foi em Roraima também que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi buscar o empresário e ex-deputado federal Airton Cascavel para o cargo de assessor especial do ministério.

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Político deu apoio a teses antiambientais de Bolsonaro

Daniela Chiaretti

16/10/2020

 

 

Rodrigues defende legalização de garimpo em terras indígenas

O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), alvo de busca e apreensão em sua casa, em Boa Vista, em operação da Polícia Federal que investigava suspeita de desvio de recursos públicos de emendas parlamentares destinadas à pandemia da covid-19 na quarta-feira, defende teses controversas e consideradas anti-ambientais. As pautas têm sintonia com as defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em vídeos que circulam na internet desde que agentes da PF encontraram maços de dinheiro em sua cueca, Rodrigues defende o garimpo em terras indígenas (que hoje é crime), o fim das reservas legais em propriedades rurais (os senadores Flávio Bolsonaro e Márcio Bittar apresentaram projetos de lei nesta direção em 2019 e ele manifestou seu apoio ao projeto) e disse em entrevista recente à TV Senado que o desmatamento, na sua opinião “é exagerado em relação aos dados”, questionando indiretamente o trabalho dos pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Em janeiro, Rodrigues gravou um vídeo em garimpo ilegal na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no município de Normandia, cercado por três indígenas. “Estamos acompanhando a extração mineral, sem danos ambientais, um trabalho fabuloso”, disse. O garimpo em terras indígenas é ilegal. “Precisamos que o governo, que o Congresso Nacional, principalmente, regulamente essa questão da exploração mineral em áreas indígenas e aqui eles estão fazendo e dando exemplo com um trabalho absolutamente artesanal”, seguiu.

Roraima não tem nenhuma mina de ouro legalizada. Lideranças indígenas dizem que há mais de 20 mil garimpeiros na Terra Indígena Ianomami.

Roraima é o Estado com proporcionalmente o maior número de pessoas que se autodeclaram indígenas, segundo o censo IBGE de 2010. É o Estado com o maior percentual de candidaturas indígenas do país nas eleições municipais. São 148 candidatos indígenas, quase 8% do total de candidaturas.

Os nove povos indígenas de Roraima se reúnem todos os anos, há 49 anos, em assembleia. Em março, em reunião no Lago Caracaranã, na Raposa Serra do Sol, denunciaram as invasões garimpeiras na TI Ianomami e disseram, claramente: “Somos contra a tentativa de arrendamentos e implantação do agronegócio, exploração mineral e hidrelétricas nas nossas terras indígenas”.