O Estado de São Paulo, n.46288, 11/07/2020. Economia, p.B4

 

Desmatamento da Amazônia é recorde para junho

Giovana Girardi

11/07/2020

 

 

Alerta indica perda de 1.034 km2, maior em cinco anos para o mês, apesar de ação militar na região desde maio

Um dia após o governo ser cobrado por investidores estrangeiros sobre a alta de desmatamento na Amazônia, os índices de perda da floresta voltaram a apresentar alta. Os alertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicaram a devastação de 1.034,4 km² – aumento de 10,65% em relação a junho do ano passado, quando os alertas apontaram o desmate de 934,81 km². O aumento ocorre mesmo com uma ação militar na região desde maio.

Em apenas um mês, foram derrubados na Amazônia o equivalente à área da cidade de Belém (PA). É o mês de junho com maior devastação dos últimos cinco anos, de acordo com a série histórica do sistema Deter. Já são 14 meses consecutivos de alta no corte da floresta em relação aos mesmos meses do ano anterior. Em oito desses meses, as taxas bateram os recordes do registro desde 2015.

No acumulado desde agosto (quando se inicia o calendário anual para fins de detecção do que ocorre na floresta), o Deter indica a devastação de 7.566 km², ante 4.589 km² no período de agosto de 2018 a junho de 2019. O aumento de 65%. O valor até o momento já é maior do que o acumulado de todos os alertas dos 12 meses entre agosto de 2018 e julho de 2019: 6.844 km². Somente nos primeiros seis meses do ano, foram mais de 3 mil km² de florestas perdidos, o equivalente a duas vezes a área da cidade de São Paulo.

A Amazônia está na estação seca, justamente quando o desmatamento se intensifica. No início de maio, o presidente Jair Bolsonaro decretou uma nova Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para atuar na região na chamada Operação Verde Brasil 2. Fiscais do Ibama foram subordinados aos militares na hora de decidir as ações. Foi previsto o investimento de R$ 60 milhões, mas como revelou o Estadão, apenas 0,7% foi usado.

Nesta quinta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão, que coordena o Conselho da Amazônia e também a Operação Verde Brasil 2, liderou uma reunião de ministros com investidores estrangeiros a fim de tentar melhorar a imagem do País no exterior, que vem sendo cobrado para reduzir a destruição.

Ele procurou retirar qualquer responsabilidade do governo sobre o avanço do desmatamento e declarou que as críticas internacionais refletem interesses comerciais e disputa geopolítica, por causa da força do Brasil no agronegócio. Já ontem, em reunião com um grupo de empresários brasileiros, Mourão teria assumido alguns compromissos .

O vice-presidente não explicou, porém, por que, apesar de os militares estarem atuando na região, o desmatamento continua subindo. As queimadas também estão em alta. Em junho, o número de focos foi o mais alto para o mês desde 2007. O Estadão vem questionando desde a semana passada o Ministério da Defesa e desde esta quinta-feira a vice-presidência sobre o motivo para as altas consecutivas, mas não obteve resposta.

Relatos de campo. Diversos fiscais do Ibama ouvidos pelo Estadão em condição de anonimato revelam que falta planejamento para as ações em campo. Eles relatam que em muitas situações, somente após já estarem há alguns dias na região, que eram decididos os locais onde atuariam. Segundo eles, os especialistas em fiscalização, principalmente em técnicas de geolocalização e de inteligência, não têm sido consultados.

"É como se colocassem o craque do time na reserva numa final após marcar três gols na semifinal. O Exército já trabalhou em parceria com o Ibama, mas essa relação em que eles definem áreas de atuação é algo inédito. O Exército tem muitos homens para executar e obedecer, mas estão longe de ter o mesmo treinamento. Os fiscais são biólogos, engenheiros florestais, agrônomos, geógrafos, engenheiros ambientais com um conhecimento gigantesco dos biomas, não militares que, teoricamente, são formados para uma guerra", disse um deles.

Os fiscais contam que houve casos em que se optou por embargar madeireiras, em vez de combater o desmatamento em curso. A chegada dos militares sobrevoando as regiões também já dão a pista para os criminosos fugirem. Madeireira seria interessante fazer, mas o Exército sobrevoou a cidade uma semana antes das ações. Quando chegamos, as toras estavam espalhadas nas vizinhanças. O Ibama não usa helicóptero para operações surpresas há muito tempo. Não é efetivo", disse um terceiro fiscal.

Edegar Rosa, diretor do Wwf-brasil para Conservação e Restauração, afirma que não existe um plano estabelecido para o combate ao desmatamento. "O Brasil tem histórico de controlar o desmatamento. A gente já conseguiu fazer isso. Mas as falas deles (dos membros do governo) ainda são de negar o problema. E os investidores veem isso", afirma.

Crítica

"A gente já conseguiu fazer isso (conter o desmate). Mas as falas deles (do governo) ainda são de negar o problema."

Edegar Rosa

DIRETOR DO WWF-BRASIL PARA CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO