O Estado de São Paulo, n.46288, 11/07/2020. Política, p.A4

 

Governistas distorcem motivo de bloqueio de perfis

Vinícius Valfré

11/07/2020

 

 

Internet. Após remoção de contas de aliados, presidente e filhos citam violação da liberdade de expressão; Facebook afirma que focou em comportamentos nocivos e não no conteúdo

O presidente Jair Bolsonaro distorceu os critérios adotados pelo Facebook quando disse que a plataforma derrubou apenas páginas de seus seguidores. Embora o discurso adotado por Bolsonaro, seus filhos e aliados tenha sido o de que a rede social persegue militantes de direita, o comunicado do Facebook destacou que a remoção de 73 contas da plataforma, na quarta-feira, não foi tomada com base nos conteúdos publicados, mas, sim, em comportamentos considerados nocivos ao debate público.

Na prática, foram identificadas e removidas 35 contas do Facebook e 38 do Instagram, o que dá o total de 73, além de 14 páginas e 1 grupo. O Facebook agiu com base no que chama de Comportamento Inautêntico Coordenado (CIB, na sigla em inglês), sem indicar se as mensagens disseminadas pelos perfis são ou não fake news. A rede de páginas alcançada pela medida, porém, flerta com conteúdos enganosos e discurso de ódio.

"Quando investigamos e removemos essas páginas, focamos no comportamento, e não no conteúdo, independentemente de quem está por trás delas, o que elas publicam ou se são estrangeiras ou nacionais", diz o comunicado do Facebook.

Na quarta-feira, a plataforma tirou do ar redes de desinformação em vários países, como nos Estados Unidos. Derrubou também páginas de apoiadores do ex-presidente do Equador Rafael Correa, que é de esquerda, e um dos poucos na América do Sul a dar aval ao colega da Venezuela, Nicolás Maduro.

O Facebook define regras de conduta que devem ser seguidas pelos usuários. Entre os comportamentos proibidos estão usar contas falsas, encobrir a finalidade de uma página, falsificar identidade e aumentar artificialmente a popularidade do conteúdo.

A investigação mostrou casos em que mantenedores de perfis de apoio a Bolsonaro também controlavam páginas que se passavam por jornais e eram usadas para dar vazão a conteúdos partidários. "Ainda que as pessoas por trás dessa atividade tentassem ocultar suas identidades e coordenação, nossa investigação encontrou ligações com pessoas associadas ao PSL ( partido pelo qual Bolsonaro foi eleito) ea alguns dos funcionários nos gabinetes de Anderson Moraes, Alana Passos, Eduardo Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro", informou a empresa.

Para o presidente, seus filhos e aliados, no entanto, o Facebook violou a liberdade de expressão dos conservadores. "No Brasil, sobrou para quem está do meu lado, para quem é simpático à minha pessoa. E parece que a esquerda fica aí posando de moralista, de propagadores da verdade", disse Bolsonaro, anteontem à noite, em transmissão ao vivo, no Palácio da Alvorada.

Os filhos do presidente foram na mesma toada quando reagiram ao bloqueio. Irritado, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-rj) chegou a afirmar, no Twitter, que estava "cagando" para o "lixo" das fake news.

O assessor especial da Presidência Tercio Arnaud Tomaz é um dos responsáveis por movimentar perfis considerados falsos. Tercio integra o chamado "gabinete do ódio", instalado no Planalto. O grupo, comandado por Carlos, é responsável por alimentar um estilo beligerante nas redes sociais. A existência do "gabinete do ódio", com esta nomenclatura, foi revelada pelo Estadão em 19 de setembro do ano passado.

"Muita gente achando que o Facebook removeu as páginas por causa do conteúdo, mas a raiz da análise não está no comportamento (e sim) no ato de criar contas falsas que se retroalimentam", argumentou o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Affonso Souza. Procurada, a Secretaria de Comunicação da Presidência não se manifestou até o fechamento desta edição.