O Estado de São Paulo, n.46286, 09/07/2020. Política, p.A4

 

Facebook derruba rede ligada a Bolsonaro e filhos

Bruno Romani

Camila Turtelli

Julia Lindner

09/07/2020

 

 

Internet. Plataforma anuncia retirada de páginas e contas de desinformação e perfis falsos vinculados a integrantes dos gabinetes do presidente e familiares, além de políticos do PSL

O Facebook anunciou ontem que derrubou uma rede de contas e perfis falsos ligada a integrantes do gabinete do presidente Jair Bolsonaro, a seus filhos, ao PSL e a aliados. Foram identificados e removidos 35 contas, 14 páginas e 1 grupo no Facebook e 38 contas no Instagram. O material investigado pela plataforma identificou pelo menos cinco funcionários e ex-auxiliares que disseminavam ataques a adversários políticos de Bolsonaro. Na lista está Tercio Arnaud Thomaz, que é assessor do presidente e integra o chamado "gabinete do ódio", núcleo instalado no terceiro andar do Palácio do Planalto.

A existência do "gabinete do ódio" – que mantém estilo beligerante nas redes sociais e é comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos- RJ) – foi revelada pelo Estadão em setembro do ano passado.

Os citados negaram irregularidades e classificaram a medida como arbitrária. O PSL, partido pelo qual Bolsonaro foi eleito, em 2018, disse que as contas são de responsabilidade dos parlamentares e não possuem relação com a legenda .

Um dos funcionários envolvidos na rede detectada pelo Facebook trabalhava para Carlos Bolsonaro. Outro funcionário identificado é contratado do deputado estadual pelo PSL de São Paulo Coronel Nishikawa.

As páginas no Facebook tinham 883 mil seguidores, enquanto as contas no Instagram, 917 mil. Além disso, 350 pessoas estavam no grupo. A página "Bolsonaro Opressor 2.0" foi identificada à conta @bolsonaronewsss, que estava sob administração de Tercio.

A rede de contas falsas derrubada pelo Facebook também inclui os deputados estaduais Anderson Moraes e Alana Passos, ambos do PSL do Rio. Em maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes apontou indícios de que um grupo de empresários atuava de maneira velada financiando a disseminação de fake news e conteúdo de ódio contra integrantes da Corte e outras instituições. O ministro definiu como "associação criminosa" o grupo que atua no "gabinete do ódio".

O controverso inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news contra ministros do Supremo, conduzido por Moraes, pode pavimentar o caminho da cassação do presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A avaliação entre ministros do tribunal é a de que, caso seja autorizado, um compartilhamento das provas do STF com a Justiça Eleitoral deve dar um novo fôlego às investigações que apuram o disparo de mensagens em massa na campanha presidencial de Bolsonaro em 2018. A possibilidade dessas ações serem "turbinadas" com o inquérito das fake news do Supremo já acendeu o sinal de alerta do Planalto.

No material postado que foi identificado pelo Facebook havia conteúdo relacionado às eleições, memes políticos, críticas à oposição, empresas de mídia e jornalistas, além de textos sobre o novo coronavírus. Segundo a rede social, parte do conteúdo dessa rede já tinha sido removida por violar padrões de comunidade. Entre as violações estavam discursos de ódio.

Os detalhes da operação brasileira foram postados no site do Atlantic Council's Digital Forensic Research Lab, instituição que realiza análise independente de remoções do Facebook por comportamento inautêntico coordenado.

Mundo. O anúncio faz parte de uma remoção de redes de desinformação que operavam em quatro territórios postando conteúdo relacionado a assuntos políticos domésticos. Além do Brasil, foram derrubadas redes nos EUA, na Ucrânia e na América Latina, incluindo El Salvador, Argentina, Uruguai, Venezuela, Equador e Chile. No caso brasileiro, as investigações e remoções ocorreram a partir de notícias na imprensa brasileira e referências feitas ao assunto no Congresso durante a CPI das Fake News.

Diretor de Cibersegurança do Facebook, Nathaniel Gleicher foi cauteloso em apontar o envolvimento direto ou o conhecimento de políticos na campanha, inclusive na coordenação das postagens. "Não podemos afirmar a ligação direta das pessoas citadas, mas podemos afirmar que pessoas associadas a eles e a seus escritórios se envolveram em comportamento inautêntico na plataforma."

Segundo o executivo, não há indícios de que uma empresa foi contratada para realizar o trabalho, como aconteceu nos outros países latinos. Foi gasto US$ 1,5 mil em impulsionamento dos conteúdos no Facebook. De acordo com a Atlantic Council, o envolvimento de funcionários de gabinetes pode indicar que a operação usou recursos públicos, pois as postagens eram feitas no horário de expediente.

A iniciativa do Facebook ocorre em meio ao boicote que a plataforma vem sofrendo por parte de empresas ligadas a uma campanha contra a disseminação de publicações com discurso de ódio e desinformação.

O relatório da DFRLAB aponta que Tercio administrava páginas e contas com conteúdo de ataques a adversários do governo, em muitos casos com teor considerado "enganoso" e que misturava "meias-verdades para chegar a conclusões falsas".

Em agosto do ano passado, Bolsonaro compartilhou, pelo Facebook, uma publicação que chama o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, de "esquerdista estilo PSOL". O link divulgado pelo presidente redirecionava a página para um post do perfil Bolsonaro Opressor 2.0. Antes de atuar no governo, Tercio trabalhou para Carlos Bolsonaro no Rio. Ele ocupava o cargo de auxiliar de gabinete.

Assessores. O DFRLAB identificou dois assessores do deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP). São eles Paulo Eduardo Lopes (conhecido como Paulo Chuchu) e Eduardo Guimarães. Guimarães é funcionário do gabinete de Eduardo na Câmara. Já Oliveira foi exonerado em 26 de junho e agora está registrado como assessor do gabinete do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), aliado do governo.

O relatório do DFRLAB cita a página "Bolsofeios" como sendo de Guimarães. A ligação já havia sido apontada pela CPI das Fake News, que identificou atualizações do perfil a partir de um celular do assessor.

Parlamentares à frente da CPI afirmaram que o banimento das contas está em linha com fatos revelados pela investigação e que o caso reforça a necessidade de ter acesso ao conteúdo publicado por meio desses perfis excluídos. 

PARA LEMBRAR

Exclusão na eleição de 2018

Em 22 de outubro de 2018, o Facebook removeu um grupo de 68 páginas e 43 contas que, juntas, formavam na plataforma a principal rede de apoio e difusão de propaganda de Jair Bolsonaro, então candidato do PSL à Presidência. As páginas pertenciam a um mesmo grupo, chamado Raposo Fernandes Associados, e violaram as políticas de autenticidade e spam, ao criar endereços falsos e múltiplas contas com os mesmos nomes para administrar os grupos. A derrubada das páginas ocorreu depois de o Estadão publicar reportagem sobre a rede RFA e suas ligações com o Bolsonarismo.