Correio braziliense, n. 20945, 27/09/2020. Brasil, p. 7

 

"Chuvas não frearão o fogo"

Edis Henrique Peres

Natália Bosco 

27/09/2020

 

 

Pantanal contabiliza 6.805 focos de incêndios apenas no mês de setembro, um aumento de quase 30% em relação a 2005, considerado, até então, o pior ano para o bioma. À época, foram registrados 12.536. Embora ainda faltem pouco mais de três meses para o fim de 2020, a vegetação somava 16.238 focos até sexta-feira.

Para o biólogo Jose Julian Sepúlveda, as chuvas não vão frear a devastação e, “talvez, no ano que vem, presenciaremos uma seca ainda mais drástica, que aumentará as chances de surgirem queimadas com maior impacto destrutivo no Pantanal”.

Quando um fenômeno é tão extremo, pontua o especialista, “aquele que o sucede também o será. As chuvas por vir poderão ser intensas e, como em anos passados, provocarem em altos prejuízos para os animais que não estão adaptados ao regime de enchentes da planície pantaneira.”

A doutora em ecologia Leticia Gomes explica que o início das chuvas na região fez a vegetação rebrotar e uma maior quantidade de água ser armazenada em seus tecidos vegetais e no solo, fato que dificulta a ignição e a propagação do fogo. “Entretanto, é preciso considerar que a temperatura do ar ainda está alta e, nesse caso, em torno de dois dias sem chuva, o material combustível (representado principalmente pelas gramíneas e por folhas mortas) pode se tornar seco novamente, deixando a vegetação suscetível à ocorrência de queimadas”, ressalta.

Cássio Bernadino, analista de conservação da WWF-Brasil, conta que o aumento no número de incêndios faz com que o bioma se depare com uma situação inédita. “No Pantanal, a gente observa recorde de toda série histórica de monitoramento (de incêndios). O bioma nunca queimou tanto. A estimativa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) chega a 11.864 hectares (destruídos), que é o equivalente a 85% da área total de Sergipe. Há estimativas que duplicam esses hectares. Então, é uma situação atípica”.

Bernadino pontua ser importante entender se as mudanças climáticas afetam ou não os ciclos do bioma e que, para isso, é necessária a realização de monitoramentos a longo prazo, coleta e análise de dados.

Segundo o biólogo Jose Julian Sepúlveda, “o Pantanal é um bioma que existe devido ao seu ciclo de enchentes/vazantes; e isso, sem rios, lagos e demais áreas úmidas na planície, não aconteceria. Tristemente, são esses ambientes, principalmente as nascentes dos rios nas serras que contornam o Pantanal (Serra de Maracajú e Bodoquena), os mais afetados e degradados pela expansão agropecuária desprovida de técnicas de uso sustentável do solo e preservação de áreas permanentes.”

*Estagiários sob a supervisão de Andreia Castro