Correio braziliense, n. 20943, 25/09/2020. Saúde, p. 14

 

Efeito contrário com remédio para colesterol

25/09/2020

 

 

Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, relataram, recentemente, que as estatinas — medicamentos amplamente usados para a redução do colesterol — estão associadas a um risco reduzido de desenvolver covid-19 grave, bem como a tempos de recuperação mais rápidos. Agora, uma segunda equipe da mesma instituição descobriu evidências que ajudam a explicar o porquê: em resumo, remover o colesterol das membranas celulares impede que o coronavírus entre nelas.

Uma molécula conhecida como ACE2 fica como uma maçaneta na superfície externa de muitas células humanas, onde ajuda a regular e reduzir a pressão arterial. A ACE2 pode ser afetada por estatinas prescritas e outros medicamentos usados para doenças cardiovasculares. Mas, em janeiro, os pesquisadores descobriram um novo papel para ela: o Sars-CoV-2 usa, principalmente, esse receptor para entrar nas células pulmonares e estabelecer infecções respiratórias.

“Quando confrontado com esse novo vírus no início da pandemia, houve muita especulação em torno de certos medicamentos que afetam o ACE2, incluindo as estatinas, e se eles podem influenciar o risco de covid-19”, disse Lori Daniels, um dos autores do estudo. “Precisávamos confirmar se o uso de estatinas tem impacto na gravidade da infecção por Sars-CoV-2 de uma pessoa e determinar se era seguro para nossos pacientes continuarem com seus medicamentos.”

Os pesquisadores descobriram que o uso de estatina antes da internação hospitalar para covid-19 foi associado a uma redução de mais de 50% no risco de desenvolver a forma grave da doença. Os pacientes com covid-19 que estavam tomando estatinas antes da hospitalização também se recuperaram mais rápido, comparados àqueles que não tomaram o medicamento para baixar o colesterol. “As estatinas podem inibir especificamente a infecção por Sars-CoV-2 por meio de seus conhecidos efeitos anti-inflamatórios e capacidades de ligação. Isso pode potencialmente interromper a progressão do vírus”, diz Lori.

Intracelular

Segundo os pesquisadores, o fenômeno pode ser explicado por uma atividade intracelular. A atividade enzimática do gene CH25H produz uma forma modificada de colesterol chamada 25-hidroxicolesterol (25HC). Por sua vez, o 25HC ativa outra enzima, a ACAT, encontrada no interior das células do retículo endoplasmático. ACAT, então, retira o colesterol acessível na membrana da célula. É um processo que ocorre normalmente e ganha alta velocidade durante algumas infecções virais.

A equipe investigou o que acontece com as células do pulmão humano no laboratório com e sem tratamento com 25HC quando expostas ao Sars-CoV-2. A adição dessa forma modificada de colesterol inibiu a capacidade do vírus de entrar nas células, bloqueando a infecção quase completamente. Enquanto o vírus usa o receptor ACE2 para, inicialmente, encaixar-se em uma célula, o estudo sugere que o micro-organismo também precisa do colesterol (normalmente encontrado nas membranas celulares) para se fundir e entrar no núcleo celular. O 25HC retira muito desse colesterol da membrana, impedindo a entrada do vírus.

50 % Estimativa de redução no risco de agravamento da covid-19 em pacientes que tomavam estatina antes da internação