Correio braziliense, n. 20943, 25/09/2020. Mundo, p. 12

 

Vaias e promessa de transição pacífica

Rodrigo Craveiro 

25/09/2020

 

 

A pouco mais de cinco semanas das eleições norte-americanas, Donald Trump recusou-se novamente a admitir se aceitará o resultado da votação de 3 de novembro. “Queremos ter certeza de que a eleição é honesta, e não estou certo de que ela possa ser”, afirmou a repórteres, pouco antes de embarcar para Charlotte, na Carolina do Norte. “Temos que ter muito cuidado com as cédulas. As cédulas — isto é um grande golpe”, acrescentou, em alusão ao voto por meio do serviço postal. As declarações do presidente repercutiram negativamente dentro do próprio Partido Republicano. “O vencedor das eleições de 3 de novembro será empossado em 20 de janeiro. Haverá uma transição ordeira, assim como tem ocorrido a cada quatro anos desde 1792”, disse Mitch McConnell, líder da maioria no Senado. “Os republicanos creem no Estado de direito, nós acreditamos na Constituição, e é isso que dita o que acontece em nosso processo eleitoral”, comentou John Thune, o segundo republicano mais influente no Senado. Na quarta-feira, ao ser questionado se assumiria o compromisso de transição pacífica, em caso de derrota, Trump respondeu: “Teremos que ver o que acontece em novembro”.

O magnata republicano envolveu-se em situação constrangedora, na manhã de ontem. Acompanhado da primeira-dama, Melania, Trump foi vaiado por um grupo de manifestantes, ao visitar o prédio da Suprema Corte e homenagear a falecida juíza progressista Ruth Bader Ginsburg. “Votem para tirá-lo!” e “Honre o desejo dela”, gritava a multidão, em referência a um pedido da magistrada para que sua substituta seja escolhida somente depois de 3 de novembro. As vaias ocorreram no momento em que o casal deixava o veículo, por volta das 10h (11h em Brasília). O tributo a Ginsburg foi rápido: Trump observou um minuto de silêncio diante do caixão coberto com a bandeira dos Estados Unidos e deixou o local, retornando à Casa Branca. Nas redes sociais, internautas criticaram o mandatário por supostamente ter usado a ocasião para.

Allan Lichtman, historiador político da American University (em Washington), afirmou ao Correio que teme pela lisura da votação. “Eu vejo um grande risco de Trump tentar roubar a eleição, se parecer que ele está em desvantagem. Ele tem dito que deseja se livrar de algumas cédulas de voto a distância, as quais acha que não o favorecerão”, advertiu. “Não importa o que os republicanos digam agora, eles mostraram que apoiarão Trump, ainda que se comporte de forma ultrajante.” O estudioso previu a vitória de Biden em 3 de novembro — ele tem acertado todos os prognósticos desde 1984.

Apesar do desejo expresso por Ruth Ginsburg, Trump parece determinado a anunciar o nome da substituta da juíza amanhã, às 17h (18h em Brasília), em pronunciamento na Casa Branca. “Acho que tudo vai correr muito bem, que vai muito rápido”, disse o presidente à emissora Fox Radio. “Temos cinco mulheres e gosto de todas”, acrescentou. Trump avisou que entre as finalistas está Bárbara Lagoa, juíza conservadora de Miami e de origem hispânica.

Até o falecimento de Ginsburg, acometida por um câncer de pâncreas, a Suprema Corte contava com cinco juízes conservadores e quatro liberais. Com a decisão de Trump, a hegemonia da direita poderá ser garantida por mais de uma geração, segundo especialistas —  a máxima instância do Judiciário ficaria com seis conservadores e apenas três progressistas. A Suprema Corte tem papel decisivo em temas importantes para a vida do norte-americano, como o direito ao aborto, o matrimônio homossexual, o acesso à saúde e questões relacionadas à imigração. A indicação de um magistrado foi mote da campanha eleitoral do republicano, em 2016.

Um dia depois de visitar Charlotte, na Carolina do Norte, o democrata Joe Biden rendeu um tributo a Ginsburg com um vídeo publicado no Twitter. “Nós somos uma nação mais justa e mais igual por causa da juíza Ginsburg. Agora, cabe a todos nós continuar sua luta”, escreveu.

China

A China indignou-se, ontem, na ONU, com os Estados Unidos, que mais uma vez a apontaram como responsável pela disseminação do coronavírus no mundo, durante reunião por videoconferência do Conselho de Segurança sobre o futuro da governança global. “Já chega! Já criaram problemas suficientes no mundo!”, disse Zhang Jun, embaixador chinês na ONU, à embaixadora americana Kelly Craft, sob o olhar impassível do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. “Antes de apontar o dedo aos outros, qual é a causa dos 7 milhões de casos de infecção e mais de 200 mil mortes nos Estados Unidos?”, questionou o embaixador chinês, acusando Washington de espalhar “o vírus da desinformação”, de “mentir” e de “enganar”.

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Mais de 120 prisões protestos raciais 

25/09/2020

 

 

A polícia de Kentucky prendeu 128 manifestantes, ente a noite de quarta-feira e a madrugada de ontem, na cidade de Louisville. Os protestos foram provocados pela decisão da Justiça de não culpabilizar por assassinato a nenhum dos policiais envolvidos na morte da afro-americana Breonna Taylor. Os atos espalharam-se por várias cidades dos Estados Unidos, como Nova York, Los Angeles, e a capital, Washington. No entanto, o epicentro foi Louisville, em Kentucky, a cidade de Taylor. Aos 26 anos, a mulher morreu durante um tiroteio com a polícia em seu apartamento, em março.

Depois da decisão do tribunal, na quarta-feira, milhares de pessoas caminharam pelas ruas da cidade para exigir justiça para a enfermeira, que se tornou um dos símbolos dos protestos contra a violência policial e o racismo nos Estados Unidos. As manifestações, inicialmente pacíficas, tornaram-se violentas. Vários participantes entraram em confronto com a polícia, que usou granadas para dispersar o protesto. Dois policiais foram baleados no tumulto. Ambos sobreviveram e estão hospitalizados, em condições estáveis.

“Houve um total de 128 prisões durante o protesto de ontem (quarta-feira) à noite e nesta manhã (ontem)”, declarou o porta-voz da polícia local, Dwight Mitchell, à agência France-Presse (AFP). Entre os detidos, está um suspeito da tentativa de assassinato dos dois policiais, informou a imprensa local.

Taylor morreu na noite de 13 de março, quando três agentes à paisana entraram em sua casa com um mandado de busca e apreensão. Depois que o namorado da enfermeira abriu fogo contra os agentes, supostamente por tê-los confundido com ladrões, eles atiraram e vários dos disparos atingiram a jovem.

Mais de seis meses depois, um grande júri decidiu, na quarta-feira, processar um desses policiais, Brett Hankison, por colocar em risco a vida de outras pessoas — neste caso, três dos vizinhos da vítima. Mas, nem Hankison nem os outros dois policiais que usaram suas armas na casa de Taylor foram acusados por sua morte. “Nada parece mostrar que Breonna importava”, afirmou Ben Crump, o advogado da família da vítima, ao programa de televisão Today, da NBC.