O globo, n. 31798, 28/08/2020. Sociedade, p. 10

 

Três décadas de perdas

Renato Grandelle

28/08/2020

 

 

Brasil destruiu o equivalente a 10% do território

Em pouco mais de três décadas, o Brasil viu 872 mil km² de vegetação nativa, o equivalente a 10% de seu território, sumirem do mapa. A agropecuária abocanhou 90% dessa área, e as florestas foram convertidas em pastagens, lavouras e locais de exploração de madeira, entre outras finalidades. O panorama foi descrito na Coleção 5 do MapBiomas, dedicada à série histórica de mapas e dados sobre a cobertura e o uso da terra do país entre 1985 e 2019.

O país ainda conta com 66,8% de seu território compostos por vegetação nativa, mas essa área não está inteiramente preservada. Pelo menos 9,3% dela é de vegetação secundária, ou seja, são regiões que passaram por regeneração após serem desmatadas e convertidas para exploração humana ao menos uma vez.

Coordenador-geral do MapBiomas, Tasso Azevedo avalia que o período abrangido pelo levantamento pode ser dividido em três partes. O primeiro, entre 1985 e 2003, foi marcado por grandes taxas de desmatamento. Daí até 2010, a devastação foi reduzida — na Amazônia, a queda chegou a 70%. Mas, desde o início da década, o desflorestamento voltou a avançar.

— Não podemos olhar para o Brasil como uma fotografia do que ocorre agora. O nosso filme está ruim no agregado — ressalta. — Em 40 anos, perdemos 20% da Amazônia, mesmo com a redução da população rural. Precisamos pensar em uma forma sustentável para manter a vegetação nativa, recuperar as áreas mais críticas e usar melhor as que já foram desmatadas, como é o caso das pastagens.

Há, no entanto, uma boa notícia: a qualidade da pastagem melhorou. A estimativa é que 72% dela estavam degradados em 2010; esse índice, em 2018, caiu para 60%. Os autores do levantamento avaliam que esse progresso pode reduzir a pressão para o desmatamento dos biomas.

— A pastagem degradada tem um solo empobrecido, que emite gases de efeito estufa. Quando ganha qualidade, passa a reter esses poluentes e permite maior produtividade —explica Azevedo.

Ações recentes do governo federal demonstram uma série de ameaças que podem acentuar a devastação nos próximos anos. No Cerrado, onde a produção de commodities foi a maior responsável por suprimir 21,3% da vegetação nativa, a moratória da soja — uma iniciativa do setor privado para evitar taxas ainda mais elevadas de desmatamento — é criticada pelo Ministério da Agricultura.

A Caatinga, por sua vez, perdeu 11% de sua cobertura original em 34 anos. No mesmo intervalo, o setor agropecuário expandiu 26% na região. No ano passado, o Ministério do Meio Ambiente retirou 66% da verba usada para trabalhos voltados à desertificação do bioma.

A Mata Atlântica viu 10,3% de sua vegetação nativa desaparecer no período analisado pelo MapBiomas. Em abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, assinou uma medida que regularizaria invasões a áreas de preservação permanente realizadas até 2008. Pressionado pelo Ministério Público Federal, Salles revogou o ato.

Azevedo quer, agora, conferir o efeito das queimadas entre 1985 e 2019 sobre os biomas do país, entre eles a Amazônia (que perdeu 11,2% de sua cobertura original, de acordo com o levantamento) e o Pantanal (12%), que atualmente registram recordes de queimadas.

— Lançaremos, daqui a um mês, um relatório sobre as áreas brasileiras degradadas pelo fogo, que mostrará em quais áreas ele ocorreu, e quantas vezes — afirma Azevedo, acrescentando que o primeiro cálculo mostrou um resultado tão alto que, depois, passou por uma revisão.

O MapBiomas realiza seu levantamento a partir da análise da série histórica de imagens do satélite LandSat. Sua alta resolução de 30 metros permite visualizar dados em recortes territoriais de biomas, inclusive terras indígenas, bacias hidrográficas e unidades de conservação. A ferramenta é pública e gratuita e está disponível no site mapbiomas.org.

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Mourão diz que queimadas são “agulha no palheiro"

Daniel Gullino

28/08/2020

 

 

Vice-presidente afirma ainda que o país recebe “tratamento preconceituoso” e não é “vilão” na questão ambiental

 O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou ontem que as queimadas na Amazônia são como “agulha no palheiro” e que não é possível dizer que a floresta está “queimando”. Mourão minimizou os 24 mil focos de incêndios registrados em agosto no bioma dizendo que isso é pouco em meio à extensão de cinco milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal.

— Nós temos essas questões das queimadas. O dado do dia 26 de agosto é que nós tínhamos 24 mil focos de calor na Amazônia Legal. Ora, minha gente, a Amazônia Legal tem 5 milhões de quilômetros quadrados; 24 mil focos de calor significa que tem um foco de calor a cada 200 quilômetros quadrados. Isso é agulha no palheiro. E o que está sendo colocado para o mundo inteiro: “A floresta está queimando, a Amazônia está queimando” — disse Mourão, em debate organizado pelo Canal Rural.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados até agora 24.633 focos de incêndio em agosto. Mesmo com o mês incompleto, é o segundo maior número para o período dos últimos dez anos, atrás do ano passado, quando foram registrados 30.900 focos.

Mourão criticou quem diz que a fumaça das queimadas está “prejudicando as pessoas”. Um estudo divulgado nesta semana apontou que a exposição à fumaça e às cinzas das queimadas prejudicaram a saúde de mais de quatro milhões de pessoas em 2019:

— Eu vejo editorialistas e formadores de opinião dizendo que a fumaça está prejudicando as pessoas. Eu não consigo entender de onde essas pessoas conseguem extrair esses dados e conseguem ouvir isso.

O vice-presidente também disse que o Brasil recebe um “tratamento preconceituoso” e que não é o “vilão” na questão ambiental:

—O que você vê é um tratamento preconceituoso dos dados, sempre procurando estabelecer essa pressão em cima do país e colocando o Brasil como um vilão nessa questão ambiental, quando nós não somos vilões.

A Human Rights Watch, uma das responsáveis pelo estudo que mostrou o efeito da fumaça na saúde, afirmou em nota que “Mourão deveria adotar medidas urgentes para proteger a saúde de milhões de brasileiros na região, por meio do combate efetivo à destruição ambiental” mas que, em vez disso, “tentou minimizar a crise e descartar as evidências”.