O globo, n. 31797, 27/08/2020. Economia, p. 29

 

Renda Brasil

Marcello Corrêa

Geralda Doca

Manoel ventura

27/08/2020

 

 

Bolsonaro recusa proposta de Guedes, e governo nega possível saída do ministro

 Em uma sinalização contrária à política de controle de gastos da atual equipe econômica, o presidente Jair Bolsonaro criticou ontem publicamente a proposta de extinguir benefícios como o abono salarial para criar o Renda Brasil. Em evento em Minas Gerais, o presidente disse que do jeito que está o novo programa, que vai substituir o Bolsa Família, não será enviado ao Congresso. A declaração foi lida pelo mercado financeiro e por analistas como um sinal de que o discurso defendido por Guedes perde espaço no Palácio do Planalto.

Para especialistas, a posição de Bolsonaro demonstra um alinhamento do presidente com a ala do governo que defende aumentar os gastos de olho nas eleições de 2022. O presidente cobrou que Guedes apresente uma proposta alternativa para o Renda Brasil até amanhã.

— Discutimos a possível proposta do Renda Brasil. E eu, ontem, falei: está suspenso. Vamos voltar a conversar. A proposta, como a equipe econômica apareceu para mim, não será enviada ao Parlamento —disse Bolsonaro, em cerimônia de inauguração de um alto-forno em Ipatinga (MG). — Não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos, não podemos fazer isso aí.

A fala do presidente gerou tensão no mercado financeiro, que viu no episódio um sinal de que as medidas de ajuste fiscal estavam em risco. Em entrevista ao blog da jornalista Cristiana Lôbo, no G1, Guedes minimizou a declaração de Bolsonaro:

— Está tudo equacionado.

Não tem truque nem furateto. Tudo será feito com total transparência. É assim mesmo. Ele é o presidente e é quem decide —afirmou.

MAIA DEFENDE TETO

Em nota, o Ministério da Economia negou rumores de que Guedes poderia deixar o cargo. O vice-presidente Hamilton Mourão também entrou em campo para minimizar a tensão:

—Paulo Guedes tem a resiliência necessária. (...) Isso faz parte. Eu acho que o Guedes está firme. Ele é ministro do presidente Bolsonaro.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reforçou ontem que nenhuma proposta que desrespeite o teto de gastos — regra que limita o aumento de despesa à inflação do ano anterior — será aprovada pelos parlamentares neste ano:

— Não adianta criar uma despesa (incremento do Renda Brasil) se não estiver respeitando o teto de gastos. Mesmo que você crie uma receita extraordinária, uma privatização ou a ideia do novo imposto, nada disso será resolvido se não desindexar o Orçamento e acabar com muitos programas. Respeitar o teto de gastos é a posição do governo e da Câmara.

Segundo Maia, o governo precisa “arrumar a casa” e priorizar os projetos. Ele criticou a tentativa do governo de juntar várias propostas de emenda à Constituição (PECs) que tramitam no Senado.

—Eu acho que ter uma PEC que trata de muitas coisa já parece que vai dar errado.

Nas últimas semanas, a aderência de Bolsonaro à agenda de Guedes vem sendo questionada,enquanto o presidente se aproxima de ministros da ala que quer mais gastos. A declaração de ontem ocorreu um dia após o lançamento do programa Casa Verde e Amarela, capitaneado pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, um dos defensores da ampliação das despesas. Guedes não compareceu à solenidade no Palácio do Planalto.

VALOR FICARIA MENOR

O veto do presidente tornado público ontem adiou os planos para o que Guedes vinha chamando de “Big bang day”, que ocorreria esta semana. Como revelou O GLOBO, a proposta de extinguir o abono salarial é motivo de impasse nas discussões sobre o Renda Brasil. Hoje, o benefício custa cerca de R$ 18 bilhões. O valor corresponde a 83% do total de recursos que Guedes quer remanejar do Orçamento para que o novo programa seja maior que o Bolsa Família sem estourar o teto.

A destinação desse dinheiro permitiria que os gastos com o Renda Brasil chegassem a R$ 52 bilhões por ano e que o benefício médio ficasse na casa dos R$ 250. Sem a revisão, o mais provável é que o valor médio pago a cada família fique próximo ao atualmente repassado no Bolsa Família, que é de R$ 191 por domicílio.

Hoje, o abono beneficia cerca de 23,2 milhões de trabalhadores que recebem até dois salários mínimos. Técnicos da equipe econômica afirmam que o programa é mal focalizado, por permitir que jovens de classe média em início de carreira, por exemplo, tenham direito ao repasse federal.

Apesar de ser contra o fim do abono, Bolsonaro pressiona para que o Renda Brasil tenha um valor na casa dos R$ 300. Sem rever outros gastos, um projeto nesses moldes furaria o teto de gastos.