O globo, n. 31796, 26/08/2020. Sociedade, p. 8

 

Repasses milionários

Juliana Dal Piva

Chico Otavio

26/08/2020

 

 

 Recorte capturado

Coaf informa MP que Wassef recebeu de empresa com contratos com governo

Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) revela que o advogado Frederick Wassef, ex-defensor da família Bolsonaro, recebeu repasses de R$ 2,3 milhões de Bruna Boner Leo Silva, sócia da Globalweb Outsourcing, empresa que tem contratos com o governo federal. Os valores foram transferidos entre dezembro de 2018 e maio deste ano —Wassef começou a representar os Bolsonaro no fim de 2018 e deixou o posto em junho, depois que o ex-assessor Fabrício Queiroz foi preso em um imóvel de sua propriedade.

O documento, a que O GLOBO teve acesso, mostra ainda que a conta do escritório de advocacia de Wassef foi abastecida com R$ 1,04 milhão diretamente da Globalweb. A empresa foi fundada por Maria Cristina Boner Leo, ex-mulher do advogado e mãe de Bruna — Maria Cristina é a atual presidente do Conselho de Administração da companhia. O valor foi transferido entre julho de 2015 e junho de 2020, período abrangido pelo relatório.

O documento do Coaf foi enviado em 15 de julho para o Ministério Público Federal do Rio (MPF), Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) e Polícia Federal. O relatório também registra repasses de 1,07 milhão ao escritório de Wassef, entre 2015 e 2020, pela empresa Maisdoisx Tecnologia em Dobro, que integra a holding comandada pela Globalweb.

Em junho, O GLOBO revelou que o governo federal suspendeu, em 15 de março de 2019, uma multa de R$ 27 milhões aplicada pela Dataprev, empresa pública vinculada ao Ministério da Economia, a um consórcio integrado pela Globalweb. O consórcio foi contratado em 2014, não entregouosserviçosnoprazoestipulado e foi multado pela Dataprev ainda no governo Temer. O portal Uol divulgou ainda que, durante o governo de Jair Bolsonaro, a Globalweb obteve novos contratos com a União, em um total de R$ 53 milhões.

Também na gestão de Bolsonaro, a companhia, como parte de um consórcio, obteve dois aditivos contratuais em outro acordo junto à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), vinculada ao Ministério da Educação. O contrato foi questionado pela Controladoria-Geral da União (CGU) —uma auditoria do órgão apontou indícios de irregularidades na ata de preçosemqueeleestavabaseado. Após os acréscimos, o valor final do negócio chegou a R$ 37,4 milhões.

O relatório do Coaf afirma que Wassef foi “objeto de comunicações de operações suspeitas” e descreve que, entre julho de 2015 e junho de 2020, houve R$ 14 milhões em créditos, em duas contas das quais ele é titular.

No documento, foi apontado que, ao todo, desde agosto de 2018, Bruna Boner Leo Silva, ex-enteada do advogado, enviou R$ 3.259.822,47 para ele. O valor foi dividido em 19 transações.

A partir do período em que já atuava como advogado do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), Wassef recebeu de Bruna um total de R$ 2.374.688,88 — movimentados de 5 de dezembro de 2018 até 11 de fevereiro de 2020. Foram oito transferências, quase sempre no início do mês, de R$ 109,3 mil, além de duas maiores, em fevereiro deste ano, que somaram R$ 1,5 milhão. Essas últimas, nos dias 10 e 11 de fevereiro, mereceram atenção especial do Coaf.Segundoaanálisedoórgão, os repasses que somaram R$ 1,5 milhão foram “amparados após o recebimento de recursos da Globalweb Outsourcing do Brasil Ltda, empresa da qual Bruna Boner Leo Silva é sócia”.

O Coaf afirma que, “apesar de não haver participação formal de Frederick Wassef no grupo econômico, ocorre intenso relacionamento financeiro deste (Wassef ) com pessoas e empresas ligadas ao grupo TBA, ao longo dos últimos anos”. TBA era o nome do grupo criado por Maria Cristina Boner, depois transformado na holding Globalweb Sourcing.

Além disso, as contas de Wassef também receberam R$ 360 mil de Maria Cristina Boner. Já o escritório d advogado recebeu ainda R$ 2,1 milhões da Computsoftware Informática, empresa que já teve Maria Cristina em seu quadro societário e, em 2015, vendeu uma Land Rover para Bolsonaro — Wassef também já atuou na defesa do presidente.

No caso do escritório do defensor, segundo o Coaf, as contas foram objeto de “comunicações de operações suspeitas, motivadas principalmente por resistência ao fornecimento de informações acerca das movimentações havidas na conta da empresa, consideradas incompatíveis com a atividade”.

Em nota, a Globalweb informou que vai “encaminhar requerimentos a todos os órgãos de controle para tomar conhecimento acerca de eventuais investigações em nome dos sócios e/ou das empresas”. A empresa disse ainda que, se houver algum procedimento, vai apresentar a defesa e “provar que não há qualquer ilicitude nas transações efetuadas”. A Globalweb informou que Wassef atuou para a companhia há cinco anos. Maria Cristina Boner e Bruna Boner disseram que não vão comentar transações privadas.

PAGAMENTO A MÉDICO

Em outra movimentação revelada pelo Coaf, Wassef fez um pagamento de R$ 10,2 mil para o urologista Wladimir Alfer, que atende no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Alfer foi o primeiro médico a atender Queiroz na unidade, em dezembro de 2018. Em entrevistas recentes, o advogado negou ter oferecido ajuda financeira ao ex-assessor de Flávio Bolsonaro. O documento, que engloba um período entre 2015 e 2020, não traz a data exata do pagamento.

Queiroz era aguardado para depor no MP do Rio em 21 de dezembro de 2018. No entanto, sua defesa justificou que ele não podia comparecer,pois estava realizando exames no Hospital Albert Einstein. A defesa apresentou uma declaração assinada por Alfer, em que ele diz ter atendido Queiroz a partir de 19 de dezembro de 2018. Procurado, o médico não retornou.

Wassef não retornou aos pedidos de esclarecimento feitos pela reportagem. À revista “Veja”, o advogado disse que o pagamento ocorreu em função de um atendimento para ele próprio. “Estive internado no Einstein ano passado, submetido a uma anestesia geral, e foi feita uma biópsia na minha bexiga, para se constatar se eu estava com um novo câncer ou não”, afirmou Wassef, acrescentando que o procedimento ocorreu em setembro de 2019 e foi feito por Alfer.