O globo, n. 31795, 25/08/2020. Economia, p. 21

 

Impasse no Renda Brasil

Manoel Ventura

Geralda Doca

Marcello Corrêa

25/08/2020

 

 

Bolsonaro quer benefício de valor maior, e anúncio de pacote é adiado

 Após mar carpara hoje o anúncio de um mega pacotede medidas nasáre associal e econômica, o governo decidiu adiar o evento que vinha sendo chamado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de “Big bang day”. Um dos motivos seria o desenho do Renda Brasil, programa que o governo prepara para substituir o Bolsa Família e considerado fundamental para aumentara popularidade do presidente Jair Bolsonaro no Nordeste. Segundo uma fonte, Bolsonaro quer um programa “mais simples e maior”.

Em reunião com Guedes na tarde de ontem, o presidente foi apresentado ao programa elaborado pelos técnicos. De acordo com fontes próximas ao ministro, Bolsonaro teria considerado o Renda Brasil muito complexo e difícil de ser entendido pelo seu público-alvo e pediu a Guedes para refazer as bases do programa.

Fontes do governo relatam que o Renda Brasil teria mais de dez variáveis para definir o valor que o beneficiário poderia receber, além de um conjunto de critérios para o acesso ao programa. O presidente solicitou um desenho mais simples e com valor médio mais alto que o apresentado por Guedes. O ministro quer um benefício médio de R$ 247.

SENADO QUER MAIS VERBA

A definição do valor médio do Renda Brasil também emperrou o anúncio da prorrogação do auxílio emergencial. Bolsonaro quer que o benefício concedido durante a pandemia, que será prorrogado por mais quatro meses até dezembro, tenha o valor similar ao do Renda Brasil. O presidente defende algo em torno de R$ 300 para o auxílio emergencial, e Guedes quer R$ 200.

O impasse gerado pelo Renda Brasil deve adiar por alguns dias o anúncio do programa que o governo chama de Pró-Brasil e que contém ainda marcos legais, concessões e uma carteira de obras públicas. O tamanho dos recursos liberados para essas obras neste ano também abriu uma divergência dentro do governo e junto a parlamentares.

Inicialmente, a previsão era de uma liberação de R$ 5 bilhões. Desse total, R$ 1,8 bilhão seria destinado para parlamentares escolherem onde bancara sobrase outros investimentos. O restante seria dividido com os ministérios do Desenvolvimento Regional (MDR), de Rogério Marinho, e da Infraestrutura, de Tarcísio Gomes de Freitas. O MDR ficaria com mais de R$ 2 bilhões desse total.

Porém, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), estaria solicitando a ampliação da parcela do Congresso para R$ 3 bilhões. O governo, por sua vez, está com dificuldade de encontrar o espaço no Orçamento deste ano para este fim.

O pacote de Guedes também contemplaria a desoneração da folha de pagamento das empresas como forma de gerar e manter empregos. A ideia dentro da equipe econômica é desonerar totalmente o imposto para quem recebe um salário mínimo (hoje em R$ 1.045) e reduzir o encargo de 20% para 10% nas demais faixas salariais.

O problema é como bancar a redução desses impostos. Para isso, está em discussão a criação de um imposto sobre pagamentos eletrônicos, nos moldes da antiga CPMF, que sofre muita resistência na Câmara. Por isso, ainda há divergências do governo sobre como apresentar a medida.

A equipe econômica também avalia criar um imposto específico para as chamadas big techs — gigantes da internet como Google, Amazon, Facebook e Apple —, nos moldes das discussões que estão sendo feitas na França.

Guedes, contudo, foi convencido a não encaminhar a proposta de desoneração da folha agora e incluí-la nas discussões sobre a reforma tributária.

ELETROBRAS: NOVA TÁTICA

Já o Renda Brasil vai para o Senado junto com medidas de corte de despesas e desvinculação de receitas que hoje têm fins específicos. É a chamada PEC do Pacto Federativo, que vai apresentar “gatilhos” para corte de gastos obrigatórios. A equipe econômica calcula que os mecanismos para contenção de despesas previstos na própria regra que criou o teto de gastos (que limita seu aumento à inflação do ano anterior) podem, se forem acionados, levar o governo a economizar R$ 40 bilhões ao longo de dois anos. O objetivo da PEC é permitir, tecnicamente, o acionamento desses gatilhos.

A apresentação das privatizações também atrasou o plano de lançamento do PróBrasil. Além de Correios, PPSA e Porto de Santos, que já são dadas como certas, o governo quer insistir na privatização da Eletrobras. A venda da empresa de energia está no Congresso desde o governo Michel Temer, mas até agora não avançou.

Para conseguir aprovar a proposta, o governo mudou sua estratégia. Vai apresentar um novo projeto de lei ao Senado, que terá como relator o senador Eduardo Braga (MDB-AM), ex-ministro de Minas e Energia e conhecedor do setor. Braga era um dos opositores da privatização.

No pacote das privatizações, o governo ainda quer apresentar a abertura de capital da Caixa Seguridade, mas ainda discute o modelo.

O governo pretende apresentar também as linhas gerais da reforma administrativa. Para isso, porém, ainda negocia com o Poder Judiciário, que pode ser incluído na proposta.

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Guedes quer programa com pagamento médio de R$ 247

Geralda Doca

Marcello Corrêa

25/08/2020

 

 

Para tornar Renda Brasil mais abrangente que o Bolsa Família, governo deve propor o fim do abono salarial e da Farmácia Popular

 A equipe econômica estuda propor uma reformulação em programas sociais para que o benefício médio do Renda Brasil — que vai substituir o BolsaFamília—seja de R$247 por família. Para isso, o governo deve propor o fim de programas como o abono salarial, o Farmácia Popular e a tarifa social de energia elétrica.

Hoje, o Bolsa Família paga, em média, cerca de R$ 191 para cada domicílio de beneficiário. A nova versão o auxílio seria, portanto, um aumento de pouco mais de R$ 50 em relação ao valor atual.

As informações sobre o valor em estudo foram publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmadas pelo GLOBO.

Além de aumentar o valor do benefício, o Renda Brasil deve ser mais abrangente que o Bolsa Família, com o número de famílias atendidas passando de 14,2 milhões para até 24 milhões de domicílios.

Dessa forma, o orçamento do Bolsa Família, hoje em R$ 30 bilhões, seria substituído por um programa de R $52 bilhões. Ou seja, cerca de R $22 bilhões amais.

Para isso, o governo acabariacom programas que a equipe econômica considera ineficientes. O principal dele sé o abono salarial, cujo orçamento para este ano foi de pouco mais de R$ 20 bilhões.

Nas últimas versões, entrou no cálculo o Farmácia Popular, que custa cerca de R$ 2 bilhões. Está na mira também o chamado seguro-defeso, benefício pago a pescadores artesanais durante o período de pescas proibidas.

Na avaliação de técnicos da equipe econômica, esses benefícios não são focalizados na população mais pobre. O Farmácia Popular, por exemplo, não leva em consideração a renda dos beneficiários.

Já o abono salarial é pago a todos os trabalhadores que recebem até dois salários mínimos, independentemente da renda familiar. Isso permite que jovens de classe média no primeiro emprego tenham acesso ao abono no valor de um salário mínimo.

O tamanho do benefício dependerá, portanto, da viabilidade no Congresso de extinguir esses programas. Na tramitação da reforma da Previdência, o governo tentou restringir o acesso ao abono salarial sem sucesso.