O Estado de São Paulo, n.46279, 02/07/2020. Política, p.A6

 

Bolsonaro defende veto à lei das fake news aprovada no Senado

Jussara Soares

Tânia Monteiro

Julia Lindner

02/07/2020

 

 

Texto ainda não passou pela Câmara; presidente diz a ministros que responsabilidade por PL é de parlamentares

O presidente Jair Bolsonaro vai vetar integralmente o projeto das fake news caso ele seja aprovado pela Câmara. A proposta, que teve o aval anteontem do Senado em uma votação apertada – o placar foi de 44 a 32 –, cria uma série de regras para uso de redes sociais, além de prever sanções para as empresas que controlam as plataformas. Mesmo correndo o risco de o Congresso derrubar seu veto, o presidente disse a seus ministros que prefere que os deputados e senadores respondam pela lei.

De todas as preocupações do presidente, que enfrenta investigação no Supremo Tribunal Federal, no Tribunal Superior Eleitoral e pedidos de impeachment, a maior delas, segundo dois ministros, é ver limitado o uso que faz hoje das redes sociais. Bolsonaro é reconhecido pelos seus adversários como um dos políticos que mais dominam a linguagem das redes, que vive de polêmicas, o que o ajudou a se eleger e a manter seus adversários sob fogo cruzado.

Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), alvos frequentes de ataques virtuais de bolsonaristas, são favoráveis ao projeto.

Um dos pontos que mais causam controvérsia é a chamada "rastreabilidade" das mensagens. Pelo texto aprovado no Senado, aplicativos de mensagens – como WhatsApp e Telegram – serão obrigados a armazenar por três meses os dados de usuários que encaminharem mensagens em massa. O argumento é chegar à raiz de uma fake news em investigação judicial ou na quebra de sigilo, por exemplo.

Empresas do setor, por sua vez, afirmam que a nova lei, se aprovada, será um "presente" do Brasil a regimes autoritários. Segundo o diretor de Políticas Públicas do WhatsApp na América Latina, Pablo Bello, a possibilidade de rastrear a origem de mensagens antes anônimas pode servir para perseguir ativistas, jornalistas e cidadãos comuns que emitirem opiniões. "Em nenhum país do mundo existe um mecanismo de rastreabilidade como se propõe nesse projeto", afirmou em entrevista ao Estadão/Broadcast anteontem.

Defensores do projeto argumentam, porém, que apenas os metadados – uma espécie de "capa" no entorno das informações dos usuários – seriam guardados, e não os conteúdos. Para o executivo da empresa, esse nível de informação é preocupante e pode comprometer a privacidade de quem usa o aplicativo para conversas pessoais.

Em conversa com apoiadores ontem em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse acreditar que o projeto "não vai vingar" na Câmara. "Acho que na Câmara vai ser difícil aprovar.

Agora, se for, cabe a nós ainda a possibilidade de veto, tá ok? Acho que não vai vingar esse projeto, não", disse o presidente.

Bolsonaro defendeu a "liberdade" nas redes sociais e o direito de bloquear seguidores. O texto aprovado no Senado proíbe mandatários do fazer isso.

Resistência. Os três filhos políticos do presidente também foram às redes sociais criticar a medida. O mais ativo deles nas redes, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), disse que o projeto ataca a liberdade e o "raciocínio sem cabresto".

A resistência à proposta, porém, não se restringe a aliados de Bolsonaro. O líder do Novo na Câmara, Paulo Ganime (RJ), afirmou considerar o projeto aprovado uma "afronta à liberdade de expressão".

Já Alcolumbre rebateu as críticas e disse que a proposta é "imprescindível". "Precisamos reconhecer que liberdade de expressão não pode ser confundida com agressão, violência ou ameaça", escreveu no Twitter.

PONTOS POLÊMICOS

• Identidade do usuário

O que diz o projeto aprovado

Obriga redes sociais e aplicativos a excluir contas falsas, exceto em caso de teor humorístico. É permitida a abertura de contas com nome social ou pseudônimo. Robôs também são permitidos, desde que a conta seja identificada como automatizada para os provedores.

Argumentos a favor

O relator do projeto, senador Angelo Coronel (PSD-BA), diz ser necessário adotar medidas para vedar ou restringir o anonimato na internet. "Não é admissível que a sociedade se veja refém daqueles que se escondem atrás de perfis falsos para disseminar mensagens ofensivas, conteúdos depreciativos ou, ainda pior, ameaças", afirma.

Argumentos contra

Para Christian Perrona, do Instituto de Tecnologia e Sociedade, a proposta contraria um sistema internacional de proteção de dados. Relator da ONU para Liberdade de Expressão, Edison Lanza diz que esse dispositivo "afeta a privacidade das comunicações e o direito de participar de maneira anônima no espaço público".

• Rastreabilidade

O que diz o projeto aprovado

Serviços como WhatsApp e Telegram devem guardar registros de "encaminhamentos de mensagens em massa (envio da mesma mensagem por mais de 5 usuários em um período de até 15 dias) pelo prazo de 3 meses, resguardada a privacidade do conteúdo das mensagens.

Argumentos a favor

Para o senador Angelo Coronel, o dispositivo na lei serve para preservar o registro da cadeia de encaminhamento de mensagens, possibilitando identificação de autor de mensagem ilícita. Apesar de o texto abrir a possibilidade de se rastrear as mensagens encaminhadas, Coronel diz que não haverá brecha para quebra de conversas criptografadas.

Argumentos contra

"Rastrear o caminho percorrido por qualquer mensagem é violar sua privacidade", afirma a diretora da International Fact Checking Network, Cristina Tardáguila. "Não temos como garantir que uma mensagem seja a mesma mensagem ao longo de uma cadeia de transmissão", diz Diego Canabarro, da Internet Society.

• Moderação

O que diz o projeto aprovado

Os usuários devem ser notificados em caso de denúncia ou de medida aplicada em função dos termos de uso das plataformas ou da lei. E os provedores devem garantir a todos a possibilidade de recurso quando houver decisão de remover conteúdos ou contas.

Argumentos a favor

O projeto afirma que a moderação de conteúdo pelas plataformas deve ser feita de forma "absolutamente transparente". "Eventual restrição de conteúdos deve seguir ordem judicial, por meio de procedimento de moderação que respeite a defesa e o contraditório", diz o relator do projeto, Angelo Coronel.

Argumentos contra

Ao determinar um direito de resposta a quem se sentir "ofendido" nas redes, o projeto "dá margens a interpretações diversas", avalia Jonas Valente, da UnB e da Coalizão Direitos na Rede. "A redação do projeto cria uma figura de ofendido que a lei não define e não deixa claro se é a plataforma que julgará ou não o que é uma ofensa."