Correio braziliense, n. 20938, 20/09/2020. Mundo, p. 12

 

Entrevista - Saeb Erekat

20/09/2020

 

 

"O mundo tolera um regime de apartheid"

Em entrevista exclusiva ao Correio, Saeb Erekat — negociador-chefe palestino e secretário-geral da Organização para a Libertação Palestina (OLP) — acusou Estados Unidos, Israel, Emirados Árabes Unidos e Bahrein de tentarem “normalizar” um regime de “apartheid” na Palestina. De acordo com ele, as duas nações árabes cometem o “engano” de atribuir ao Estado judeu a proteção à segurança regional. “Qualquer tipo de ameaça estratégica a um país árabe, independentemente de onde venha, deveria ser atendida com um consenso árabe”, afirmou, referindo-se ao perigo representado pelo Irã aos interesses regionais. Erekat acredita que a nova aliança forjada na Casa Branca afasta Israel de qualquer perspectiva de paz para o Oriente Médio.

De que maneira os acordos firmados entre Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Israel podem prejudicar a causa palestina?

De várias maneiras, seus danos não deveriam ser subestimados. Esses acordos minam a Iniciativa de Paz Árabe e encorajam o governo israelense a continuar com seus crimes, pois os recompensa por isso. Os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein reconheceram, de fato, a anexação ilegal de Jerusalém ocupada, por parte de Israel, e suas tentativas de mudar o status quo dos Locais Sagrados. Isso não pode ser considerado um passo rumo à paz.

A Organização para a Libertação da Palestina considera tomar alguma medida contra essas duas nações árabes?

Nós temos deixado nossa posição clara e veremos como a situação se desenvolve. O que nós sabemos, porém, é que ambos países não fazem mais parte do consenso árabe sobre a Palestina e que, agora, tomaram partido daqueles que tentam normalizar um regime de apartheid na Palestina.

O senhor vê um esforço dos países árabes de tentarem punir o Irã, mesmo “traindo” a causa palestina?

O Irã faz parte de nossa região maior e defendemos relações pacíficas, baseadas na não interferência em questões internas de cada Estado. O problema com alguns países árabes é que eles creem que podem encontrar entidades externas para proteger a segurança regional árabe, o que não passa de engano. O núcleo de sua normalização é a fórmula de pagar pela proteção; embora nenhum deles, nem os EUA e certamente nem Israel, vá à guerra por eles. Qualquer tipo de ameaça estratégica a um país árabe, independentemente de onde venha, deveria ser atendida com um consenso árabe e com um programa de doutrina de segurança que respeite a soberania de cada membro e garanta a proteção necessária. Israel nunca fará isso.

Quais as consequências de tais acordos para a geopolítica do Oriente Médio e as perspectivas de paz no futuro?

Israel, Bahrein e Emirados Árabes Unidos tentam criar uma nova aliança. Em relação ao processo de paz, isso basicamente afasta os israelenses. É a vitória do que Benjamin Netanyahu chama de “paz pela paz”, significando a normalização das relações para a normalização do apartheid.

Trump estimula essa aliança para isolar o Irã e ganhar votos do lobby israelense nos EUA. Como vê isso?

Eu acho que sua intenção vai além disso, visando os evangélicos extremistas nos Estados Unidos. Qualquer uso da religião para fins políticos, não importa a religião, é errado. Este é um dos aspectos da campanha do presidente Donald Trump. Seu governo enfraqueceu a moderação em nossa região e encoraja extremistas de todos os lados.

Como o presidente Mahmud Abbas tentará usar a Assembleia Geral da ONU, nesta semana, para convencer a comunidade internacional sobre os danos causados por esses acordos entre países árabes e Israel?

Nós apresentaremos nosso caso, reafirmaremo nossa visão de paz e denunciaremos os crimes sistemáticos cometidos pelo poder de ocupação. A Palestina representa um teste fracassado para a comunidade internacional. Ele vai além do que dois países árabes fizeram contra a Palestina. É sobre a comunidade internacional tolerar um regime de apartheid em pleno século 21. (RC)