O Estado de São Paulo, n.46278, 01/07/2020. Política, p.A4

 

Penduricalho a militares custa R$ 26 bi em 5 anos

Felipe Frazão

Adriana Fernandes

Mateus Vargas

Vinicius Valfré

01/07/2020

 

 

Executivo. Aumento de até 73% na bonificação salarial concedida a integrantes das Forças Armadas pelo ‘adicional de habilitação’ terá impacto de R$ 1,3 bilhão somente em 2020

Cerimônia. O presidente Jair Bolsonaro, durante cerimônia do Dia do Soldado, em Brasília, com comandantes militares

O reajuste de até 73% na bonificação salarial concedida aos militares das Forças Armadas que fazem cursos ao longo da carreira custará R$ 26,54 bilhões em cincos anos. Chamado de “adicional de habilitação”, o “penduricalho” será incorporado na folha de pagamento de julho dos militares, com impacto de R$ 1,3 bilhão neste ano, em plena pandemia do novo coronavírus, de acordo com nota técnica do Ministério da Economia e dados do Ministério da Defesa, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Na prática, o gasto anual com o pagamento dessa bonificação no soldo dos militares crescerá ano a ano, como antecipou o Estadão, e em 2024 já estará em R$ 8,14 bilhões. O reajuste do adicional foi aprovado com a reforma da Previdência dos militares, no fim do ano passado. Os críticos argumentam que o benefício deveria ter sido suspenso até dezembro de 2021, junto com o congelamento dos reajustes salariais dos servidores civis, aprovado pelo Congresso com o socorro de R$ 120 bilhões aos Estados e municípios.

A ideia do congelamento – uma contrapartida do setor público aos cortes salariais no setor privado – foi do ministro da Economia, Paulo Guedes. Quase 12 milhões de trabalhadores da iniciativa privada foram atingidos durante a pandemia com a tesourada nos salários e suspensão de contratos. Os ministros militares do governo Jair Bolsonaro, porém, trataram de negociar com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a “blindagem” das Forças Armadas. Desde o início do governo, Bolsonaro tem protegido as carreiras militares.

O bônus será concedido no momento em que Bolsonaro enfrenta uma sucessão de crises e busca ampliar sua base de apoio, composta por militares, policiais, evangélicos, ruralistas e, agora, políticos do Centrão. Ocorre também em um cenário de dificuldades do governo para prorrogar o auxílio emergencial de R$ 600 à população mais afetada pelos efeitos da pandemia da covid-19 na economia. A área econômica anunciou ontem a extensão do benefício por dois meses, mas o repasse deverá ser feito em várias etapas .

Os militares se converteram numa espécie de esteio de Bolsonaro, que tem o mandato ameaçado por denúncias de crime de responsabilidade apresentadas no Congresso, um inquérito por acusação de interferência na Polícia Federal tramitando no Supremo Tribunal Federal, além do julgamento de ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Oficiais das Forças Armadas comandam 10 dos 23 ministérios e são maioria no Palácio do Planalto, de onde atuam, nos bastidores, na articulação com o Legislativo e o Judiciário, além dos órgãos de controle.

Hoje, os maiores salários brutos entre os 381 mil militares em geral são do general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e do almirante Bento Albuquerque (Minas e Energia). Em março, último pagamento publicado pelo governo, eles receberam, respectivamente, R$ 51.026,06 e R$ 50.756,51, conforme o Portal da Transparência. Os valores, no entanto, caem na regra do abate-teto, pela qual ninguém pode ganhar mais do que um ministro do Supremo, que recebe R$ 39,2 mil.

Mudança. Lotado no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o major-brigadeiro Ary Soares Mesquita, secretário de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional, ganha o terceiro maior salário do setor militar. Ele tem vencimento bruto de R$ 40.992,66. Os generais da ativa e da reserva do governo também serão beneficiados com o reajuste no penduricalho, mas o valor deve ser “engolido” pelo abate-teto.

A situação pode mudar em breve. Em abril, a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu parecer no qual considera que, para os militares, a regra do abate-teto incidirá sobre cada um dos vencimentos acumulados, e não mais sobre o somatório deles. Ou seja, se um militar recebe R$ 20 mil das Forças Armadas e R$ 39,2 mil do Executivo, ele poderá embolsar R$ 59,2 mil por mês, uma vez que cada uma das rendas não ultrapassa o teto. A manobra, revelada pela revista Época, não é aplicada por enquanto em razão da pandemia.

De acordo com nota técnica do Ministério da Economia, as alterações promovidas no “adicional de habilitação” dos militares terão impacto de R$ 1,3 bilhão até o fim do ano. O dinheiro foi preservado em reserva específica do Orçamento. Além de subir a despesa por causa desse adicional, o governo já tinha gasto R$ 441 milhões a mais por causa das mudanças na reforma dos militares. O motivo apontado foi o de que dobrou a ajuda de custo na passagem do militar para a inatividade.

Mais benesses. O “adicional de habilitação” foi criado ainda na gestão de Fernando Henrique Cardoso e é dado para quem fez cursos ao longo da carreira. O valor era o mesmo desde 2001. No ano passado, Bolsonaro autorizou o reajuste para até 73% sobre o soldo, em quatro etapas. Na primeira delas, o penduricalho para quem fez “curso de altos estudos”, por exemplo, subirá a partir de julho de 30% para até 42% sobre o valor da remuneração. O aumento vale para militares da ativa e da reserva, que pressionaram para receber.

Um outro adicional criado por Bolsonaro, o de disponibilidade militar, tem impacto previsto de R$ 2,7 bilhões por ano. Esse penduricalho não existia antes e engorda o salário em até 41%. Na outra ponta, a ajuda de custo na passagem para a reserva dobrou, quando havia sido projetada para atingir cerca R$ 300 milhões anuais, abaixo dos R$ 441 milhões já registrados em 2020, conforme o documento do Ministério da Economia.

A mesma lei que reajustou o “adicional de habilitação” abriu a possibilidade de contratação de militares inativos para exercerem tarefas em outros órgãos da administração pública, com um adicional de 30% da remuneração na aposentadoria. A medida tem sido criticada por facilitar a chamada militarização do serviço público na gestão Bolsonaro. O governo não informa quantos militares da reserva ocupam cargos civis no governo. O Estadão mostrou que militares da ativa no Executivo já são 2,9 mil.