O Estado de São Paulo, n.46273, 26/06/2020. Metrópole, p.A11

 

Novo ministro da Educação é derrota para olavistas e vitória para militares

Renata Cafardo

Eliana Cantanhêde

Jussara Soares

26/06/2020

 

 

Ele é o primeiro ministro negro do atual governo e foi tirado do MEC, onde chefiava o FNDE, justamente pelo antecessor, Weintraub. Seu 1º teste será a lista de indicações deixadas para o Conselho Nacional da Educação. Especialistas acreditam que diálogo deve melhorar

Com o presidente. Anúncio foi adiantado pelo ‘Estadão’ e escolhido prometeu aplicar ciência e gestão. Espera-se uma maior interlocução com os Estados

O novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, significa a derrota da ala olavista e vitória do grupo moderado militar. O economista especializado em gestão foi anunciado ontem pelo presidente Jair Bolsonaro como substituto de Abraham Weintraub, demitido na semana passada. Decotelli, ex-presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), é visto como um profissional pragmático e distante do pensamento que dominou o MEC desde o início do governo. “Não tenho competência para fazer adequação ideológica”, afirmou após o anúncio.

Ele é o primeiro ministro negro do governo Bolsonaro e foi tirado do MEC justamente por Weintraub. Mas já havia travado embates com os integrantes ligados a Olavo de Carvalho durante a curta e conturbada gestão de Ricardo Vélez. O primeiro ministro da Educação de Bolsonaro saiu do cargo depois de um conflito entre olavistas, militares e técnicos do órgão.

A indicação foi adiantada pelo Estadão. “Eu respeito a opinião de todos, mas eu tenho uma urgência tão grande de resolver questões que a covid desorganizou e precisamos resolver isso. Mas a ideia, claro, é fazer uma gestão que seja compatível com a realidade de cada um poder opinar”, afirmou Decotelli, quando questionado sobre pautas ideológicas, como escola sem partido e ideologia de gênero. Ex-professor da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação Dom Cabral, o oficial da reserva da Marinha participou do grupo de militares que discutiu a transição para o governo Bolsonaro. Entre eles estão o general Villas Bôas e o vice-presidente Hamilton Mourão. Foi assim que ganhou o cargo no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) no começo de 2019. Decotelli, de 67 anos, ficou nove meses no órgão que cuida do dinheiro do MEC. Weintraub o tirou do cargo para acomodar um indicado do DEM, Rodrigo Sérgio Dias.

Conservador e de bom trato, especialistas em educação acreditam que ele pode retomar a interlocução com Estados e municípios, perdida desde o início do governo Jair Bolsonaro. Seu currículo informa que ele é bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Administração pela FGV e doutor em Administração Financeira pela Universidade de Rosário (Argentina) e pós-doutor pela Universidade de Wuppertal (Alemanha). Enquanto esteve no FNDE, tentou modernizar o órgão em processos de prestação de contas e trabalhou muito com as prefeituras. Sua visão de educação, segundo quem já trabalhou com ele, é a de que falta boa gestão para que os sistemas funcionem de maneira adequada. A ideia é compartilhada por alguns economistas, mas não é consenso entre educadores, que querem focar na aprendizagem.

Ideologia. No entanto, vai embora definitivamente do cargo mais alto do MEC a ideia da educação que precisa combater comunistas. A preocupação de especialistas é como devem se comportar os integrantes da área ideológica que continuam por lá, como Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização e ligado a Olavo de Carvalho.

A disputa pelo comando do MEC mobilizou as alas ideológica, militar e civil do Planalto. Decotelli acabou sendo o escolhido como uma alternativa apaziguadora e técnica para a função. O objetivo é reparar o desgaste da imagem do ministério que foi comandado até a semana passada por Weintraub.

O primeiro teste para Decotelli como ministro, aliás, será a lista de novas indicações para o Conselho Nacional da Educação (CNE). O Estadão apurou que, antes de deixar o cargo, Abraham Weintraub escolheu 12 nomes para compor o órgão, que tem representantes da sociedade civil e é responsável por formular e avaliar a política nacional de educação. Na lista há ligados a Olavo de Carvalho, sem expressão no meio educacional, e ao mercado do ensino superior privado, já atrelado ao governo Bolsonaro.

Um deles é Tiago Tondinelli, ex-chefe de gabinete de Ricardo Vélez, e integrante da ala olavista do ministério. Ele iria para a Câmara de Educação Básica do CNE. Outro nome é Gabriel Giannattasio, professor em Londrina, que já defendeu Olavo em artigos. Antônio Veronezi, um dos proprietários da Unisa e próximo de Weintraub e de Onyx Lorenzoni, é outro que aparece na lista. Segundo fontes, ele circula livremente pelo MEC, defendendo interesses das faculdades privadas. Ele seria nomeado na Câmara de Educação Superior, com Wilson de Matos Silva, dono da Unicesumar, em Londrina.

A lista de pessoas indicadas por vários órgãos para compor o CNE tinha mais dezenas de nomes preteridos por Weintraub, como o educador Simon Schwartzman e Malvina Tuttman, ex-reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Weintraub teria entregue suas escolhas à Casa Civil. “Nossa expectativa é de que se consiga reverter essa lista, porque se for mantida teremos dificuldades”, diz Mozart Neves, que é conselheiro atual do CNE.

Ele afirma que para o novo ministro conseguir “cicatrizar as inúmeras feridas deixadas por Weintraub” terá de montar a própria equipe, com o mesmo pensamento técnico que Decotelli demonstra. O atual presidente do CNE, Luiz Curi, elogiou a escolha. “Acho a indicação muito positiva, com trajetória bastante adequada ao cargo e ótimas referências.”

Nos bastidores do Palácio do Planalto, a informação é de que pesou a favor de Decotelli o apoio do secretário especial de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha, hoje um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro. Ele também teve o apoio do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, que trabalhou pela demissão de Weintraub.

“É um claro sinal de espaço limitado do presidente, que já está reciclando autoridades que ele mesmo demitiu porque não tem capacidade de atrair quadros para o seu governo”, diz o Diretor de Estratégia Política do Todos pela Educação, João Marcelo Borges. O Conselho Nacional de Secretários da Educação divulgou nota, informando que enquanto Decotelli esteve no FNDE manteve “bom canal de diálogo” e acredita na possibilidade de “contínua interação com o MEC”.

Autodefinição

“Eu sou um gestor de finanças e administração. Não tenho competência para fazer adequação ideológica.”

Carlos Alberto Decotelli

NOVO MINISTRO DA EDUCAÇÃO

  CRONOLOGIA

O MEC na gestão Jair Bolsonaro

9 de janeiro de 2019

Um edital para a compra de livros didáticos é alterado e passa a permitir publicidade e a não exigir mais referências bibliográficas.

25 de fevereiro de 2019

O MEC, sob comando de Ricardo Vélez Rodríguez, manda para todas as escolas do País um e-mail, pedindo que as crianças sejam perfiladas para cantar o “Hino Nacional” e o momento seja gravado em vídeo e enviado para o governo.

20 de março de 2019

O MEC cria uma comissão com três pessoas para avaliar as questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para “verificar a pertinência com a realidade social”.

3 de abril de 2019

O então ministro Vélez Rodríguez diz que haveria mudanças em livros didáticos para revisar a maneira como são retratados nas escolas o golpe de 1964 e o regime militar. Cinco dias depois, Vélez é demitido.

30 de abril de 2019

O então ministro Abraham Weintraub diz que “universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”. Posteriormente, o MEC recuou.

26 de novembro de 2019

Uma radiografia realizada no MEC por uma comissão da Câmara indica paralisia tanto no planejamento quanto na execução de políticas públicas por parte da pasta comandada por Weintraub.

20 de janeiro de 2020

Depois de anunciar que havia feito “o melhor Enem da história”, o MEC tem de lidar com falhas em notas de estudante e atraso no Sisu.

20 de maio de 2020

Após sofrer pressão do Congresso e de estudantes, Weintraub decide adiar o Enem por causa da pandemia do novo coronavírus.

18 de junho de 2020

Depois de 14 meses à frente da pasta e após insultos aos ministros do Supremo Tribunal Federal, Weintraub deixa o MEC.