O globo, n. 31792, 22/08/2020. Sociedade, p. 20

 

Parte do Brasil pode ter atingido imunidade coletiva

Ana Lucia Azevedo

22/08/2020

 

 

Cientistas dizem que Rio, Manaus e São Paulo têm indícios de que alcançaram limiar de casos, mas risco de Covid-19 permanece alto; distanciamento e uso de máscaras continuam obrigatórios para evitar novos surtos

Alguns lugares do mundo, entre eles cidades e estados do Brasil, dão sinais de que podem ter alcançado a chamada imunidade coletiva ou de rebanho contra o coronavírus, dizem cientistas. Ela é alcançada quando o vírus não consegue mais continuar a se propagar com força porque não há pessoas vulneráveis em número suficiente para sustentar uma epidemia. O número de casos diários caiu e não voltou a crescer significativamente por mais de um mês, caso de Rio de Janeiro — apesar da alta na média móvel de óbitos nos dados divulgados ontem —, São Paulo e de Manaus, por exemplo. No mundo, Nova York, Londres e Mumbai são exemplos. O padrão observado nesses lugares em nada surpreende a biomatemática portuguesa Gabriela Gomes, da Universidade de Strathclyde, na Escócia. Ela é a líder do grupo de epidemiologistas que desde março defende que o limiar da imunidade coletiva para o Sars-CoV-2 é de cerca de 20% —e não de 70%, como indicavam os modelos tradicionais. A imunidade coletiva é modulada pelo distanciamento social. Gabriela explica que o limiar não é o mesmo em todos os países e varia até mesmo dentro deles. Principalmente em países grandes como o Brasil e os EUA.   

— Só teremos imunidade coletiva ampla com vacina. Mas a força da pandemia já está reduzida em algumas partes do mundo, como na Europa e em parte da China. Também em regiões dos EUA e do Brasil, onde cada estado deve ser pensado como um país. Estamos mais próximos de voltar à normalidade. É importante que isso seja comunicado às pessoas —frisa ela.

  POLÍTICAS PÚBLICAS

Cientistas fazem a ressalva de que a imunidade coletiva é um indicador de tendência da pandemia, mas não deve orientar políticas de governo. Até porque países severamente afetados pelo coronavírus, como Espanha e Brasil, não têm mais do que 10% da população infectada, o que faz com que o número de vulneráveis seja imenso. Também se discute se tal imunidade foi de fato alcançada e quanto tempo vai durar, já 

Que não se sabe o quão prolongada é a defesa adquirida contra o coronavírus. Além disso, mesmo com imunidade coletiva, muitas pessoas ainda podem morrer de Covid-19. Continua a haver casos, porém, em menor quantidade. No Brasil especificamente, outra possibilidade é de que a Doença agora se propague mais entre os jovens, que saíram do distanciamento. Eles são infectados, mas raramente adoecem com gravidade e, como a testagem é baixa no país, os casos não são notificados. Integrante do grupo de Gabriela Gomes, Rodrigo Corder, doutorando do Instituto  De Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB/USP), explica que a imunidade coletiva não é o momento em que a infecção acaba, mas, sim, quando ela passa a se espalhar mais devagar.

—E, mesmo quando é atingida, o distanciamento social e a máscara são necessários para que continue a reduzir efetivamente e não tenhamos uma subida de casos. Enquanto não temos vacina, o melhor cenário é interromper a transmissão dessa forma —enfatiza Corder. Ele acrescenta que, se há muitos casos, ocorre uma queda e, mesmo com o fim das restrições de distanciamento, o número de novas infecções não voltar a subir, pode-se dizer que a imunidade coletiva foi atingida. — Temos que retomar a nossa vida com cuidado. Voltar às escolas, às empresas, às compras, mas com controle do distanciamento e vigilância sobre surtos — diz Gabriela.