Valor econômico, v. 21, n. 5088, 17/09/2020. Brasil, p. A10

 

Criação de novo programa social retorna à pauta

Matheus Schuch

Mariana Ribeiro

Lu Aiko Otta

Fabio Graner

17/09/2020

 

 

Bolsonaro deu sinal verde para que se trate do tema, diz relator do Orçaento

Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro barrar as discussões sobre o Renda Brasil, a criação de um novo programa social voltou à pauta. Ontem, o senador Marcio Bittar (MDB-AC) disse que recebeu sinal verde do presidente para criação de um programa social que atenda à população após o fim do auxílio emergencial.

Para evitar novos desentendimentos, como os que colocaram em situação delicada o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, a ideia é que as discussões sobre fontes de recursos para financiar o programa sejam feitas com discrição - e não necessariamente neste primeiro momento.

“O que pode acontecer é criar o programa, a rubrica, e esmiuçar isso mais para frente. Você não precisa obrigatoriamente criar, dizer quanto é o valor, de onde vai sair tudo num primeiro momento,” disse Bittar. O senador do Acre é relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo e do Orçamento.

Depois do encontro com Bolsonaro, Bittar também se reuniu com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Nas duas ocasiões, não falou sobre como o programa de renda mínima será financiado.

“Não adianta agora a gente especular do que vai tirar, de onde vai cortar, mas estou autorizado pelo presidente, ele me deu sinal verde”, disse ele, acrescentando que o caminho é discutir as propostas com a equipe econômica e o Congresso Nacional.

Na reunião de ontem do senador com Guedes, Waldery não estava presente. O secretário Especial de Fazenda cancelou, também, a reunião que teria com os secretários estaduais.

Era Waldery que vinha tendo essas discussões com Bittar e sua equipe. Mas o secretário especial de Fazenda ficou na berlinda após confirmar publicamente a intenção da equipe econômica de não dar a reposição da inflação para aposentadorias e pensões por dois anos como forma de levantar recursos para financiar o Renda Brasil.

Na terça feira pela manhã, antes de ir para a rede social e falar em dar “cartão vermelho” para quem lhe trouxesse propostas politicamente inaceitáveis (que signifiquem “ transferir recursos dos pobres para os paupérrimos”), Bolsonaro esteve com Waldery. Segundo fontes bem informadas, o presidente teria determinado ao secretário que não desse mais declarações sobre ideias ainda não aprovadas, mas não falou em demissão. Assim como também não teria pedido à Guedes que o exonerasse.

A “fritura” de Waldery tem sido alimentada junto à própria equipe econômica. Guedes até o momento não se manifestou em defesa de seu auxiliar e não veio a público negar notícias de que estaria aguardando um pedido de demissão dele.

Depois de combinar com o presidente Bolsonaro, Bittar informou que a ideia é apresentar o novo programa social já na próxima terça-feira. O texto final passará pelo crivo do presidente.

Na última terça-feira, Bolsonaro anunciou ter desistido do Renda Brasil por recusar propostas como a de congelar aposentadorias e pensões para bancar o programa. Waldery havia se pronunciado sobre o tema nesta semana, em entrevista ao Valor.

Cogitadas desde a transição de governo, as propostas de desindexação das aposentadorias da variação do salário mínimo voltaram recentemente às discussões, atreladas ao debate do Renda Brasil.

Sobre isso, porém, não havia consenso dentro do governo e nem mesmo na equipe econômica, diante da dificuldade política de levá-la adiante. Com as repercussões negativas, o presidente gravou um vídeo em que anunciou o fim do debate sobre o programa Renda Brasil.

Ontem, o Valor noticiou que o Renda Brasil não seria enterrado pelo governo, mas que entraria “em estado de hibernação” por um tempo que seria ditado pela política.

O fim das discussões significaria chegar ao término do ano sem dar uma resposta às milhões de pessoas que hoje recebem o auxílio emergencial. “A partir de janeiro, o decreto de calamidade vai terminar, só que você tem 20 milhões de brasileiros ou mais que vão continuar desempregados. O Estado brasileiro precisa deixar esses brasileiros irem dormir no dia 31 de dezembro tranquilos, com o programa já criado, garantindo a eles o mínimo de dignidade humana”, defendeu Bittar.

O programa de renda mínima chamado originalmente de Renda Brasil é a principal marca que o governo de Bolsonaro deseja construir para a sua reeleição.

O que o presidente pretendeu ao dizer que o Renda Brasil estava acabado foi tirar a proposta do centro das preocupações eleitorais, sobretudo dos seus adversários políticos.

Ontem à noite, Guedes convocou os secretários especiais da pasta para uma reunião presencial. O encontro não estava previsto na agenda oficial divulgada originalmente pelo ministério e estava em andamento até o fechamento desta edição.