O globo, n. 31791, 21/08/2020. Economia, p. 25

 

Com Maia e centrão

Manoel Ventura

Marcello Corrêa

21/08/2020

 

 

Líderes e ministros, com apoio de Maia, revertem derrota no Senado

Na mais expressiva vitória do governo no Congresso neste ano, a Câmara reverteu a derrota sofrida pelo Planalto no Senado e manteve congelados até o fim de 2021 os salários de servidores da

União e de estados e municípios. Desde a madrugada de ontem, uma força-tarefa entrou em ação para convencer deputados. Ricardo Barros (PPPR), novo líder do governo, passou no primeiro teste como apoio do presidente da Câmara, RodrigoMaia( D EM- RJ ). O governo ameaçou punir senadores “traidores”. O mercado teve dia tenso, com oscilações do dólar ena Bolsa. 

Após uma força-tarefa de líderes e ministros, do apoio decisivo de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e de cobrar lealdade ao centrão, o governo conseguiu reverter ontem na Câmara a derrota inesperada no Senado, e manter congelados os salários de servidores da União, estados e municípios até 2021. Na vitória mais expressiva neste ano do governo no Congresso, os deputados decidiram manter o veto do presidente Jair Bolsonaro à possibilidade de aumento para servidores públicos mesmo diante de uma crise nas contas públicas. 

Integrantes do Palácio e da equipe econômica entraram em contato com dezenas de deputados desde a madrugada de ontem, após o Senado derrubar o veto de Bolsonaro na quarta-feira. E estavam prontos para adiar a votação caso não houvesse acordo para a sua manutenção. Na sessão, porém, a nova base aliada deu a primeira demonstração de força política ao Palácio do Planalto, mantendo o veto por 316 votos a 165.

O Ministério da Economia calcula que o veto permitirá um alívio de até R$ 132 bilhões nas contas de União, estados e municípios. O valor foi calculado levando em conta os reajustes automáticos decorrentes de progressões por tempo de carreira, entre outros fatores. O congelamento dos reajustes por 18 meses foi incluído apedido do ministro da Economia, Paulo Guedes, como contrapartida no projeto de socorro a estados e municípios por causa da crise do coronavírus. O pacote prevê ainda transferências de recursos e suspensão de pagamentos de dívidas com impacto positivo de R$ 125 bilhões nas contas de governadores e prefeitos. 

Desde a derrubada do veto no Senado, Maia atuou para que o mesmo não ocorresse na Câmara. Ele reuniu líderes na Residência Oficial da Casa, trocou telefonemas e participou de reuniões na Câmara. Durante a votação, foi à tribuna orientar o seu partido, o DEM, a votar pela manutenção do veto: 

— O que está sendo discutido aqui é muito menos valores do que conceitos ou princípios. O teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior) vem para proteger o gasto público na defesa do cidadão. Porque, se nós não controlamos os gastos do sentes federados, quem vai pagar a conta é o cidadão. Porque quem paga imposto são as famílias, as pessoas, a sociedade. 

Bolsonaro cobrou apoio do centrão, grupo que conseguiu cargos em troca de votos favoráveis a pautas do governo no Congresso. Parlamentares que representam as siglas também foram procurados pela equipe de Guedes e informados sobre o possível prejuízo nas contas públicas.

OBRA E AUXÍLIO EMERGENCIAL

Também entrou nas negociações o tamanho do crédito para obras que será enviado pelo governo ao Congresso nos próximos dias e a ameaça do governo de retaliar parlamentares considerados traidores. 

Para dar segurança ao governo para manter a votação, legendas como PL, PP, PSDB, Novo e Solidariedade deram garantias de que votariam a favor do veto.

Na articulação de ontem, interlocutores do governo afirmaram a deputados que poderiahaver impacto sobre o valor de prorrogação do auxílio emergencial caso fossem mantidas as permissões para reajuste de categorias do funcionalismo. A medida surtiu efeito, diante do risco de comprometer o pagamento do benefício à população vulnerável, mais afetada pela pandemia do novo coronavírus. 

O novo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros( PP PR ), arregimentou aliados par atentar consolidara tendência de manutenção do veto 

— Estamos felizes pelo clima de harmonia que construímos. Estamos fazendo uma votação muito importante para o Brasil, uma votação que mantém a contenção dos gastos. Se temos um teto de gastos, precisamos ter também uma limitação das despesas. Com essa solução, queremos avançar por um Brasil melhor. 

A decisão representa uma mudança radical de posicionamento da Câmara em relação à medida. Em maio, a emenda que ampliava o grupo de categorias protegidas do congelamento de salários recebeu 322 votos favoráveis e apenas dez contrários. Na ocasião, o então líder do governo, deputado Vitor Hugo (PSL-GO) orientou a favor da flexibilização, em linha com o presidente Jair Bolsonaro.

Dessa vez, o posicionamento de Bolsonaro foi diferente. Pela manhã, ele afirmou que seria impossível governar o país caso o veto fosse derrubado: 

— Ontem (quarta-feira) o Senado derrubou um veto que vai dar um prejuízo de R$ 120 bilhões para o Brasil. Então, eu não posso governar o país. Se esse veto for mantido na Câmara, é impossível governar o Brasil. É impossível.

MENSAGEM AO CONGRESSO

Diante de um posicionamento mais claro do Palácio do Planalto, as principais lideranças do governo e ministros entraram em campo para garantir o resultado. Guedes batalhou muito por esse veto, que só foi confirmado por Bolsonaro no último dia disponível para tal, por entender que o recurso de combate à pandemia não poderia ser usado para reajustes de salários e aumentos de despesas permanentes. 

O ministro classificou a decisão do Senado como um “crime contra o país”. Essa declaração abriu uma crise coma Casa, que pode até mesmo convocar o ministro para dar explicações.

Ontem, depois da votação, em nota, o Ministério da Economia “parabenizou” todos os deputados envolvidos na manutenção do veto que impediu temporariamente a concessão de reajustes a servidores .“A possível derrubada traria graves consequências para as contas públicas, em especial de estados e municípios. Neste momento importante da democracia, é preciso elogiar, da mesma forma, os senadores que votaram favoravelmente à manutenção do veto, apesar do resultado negativo”, disse o ministério. 

Durante a votação, a oposição recorreu a manobras regimentais para obstruir a sessão, mas os requerimentos para adiar os trabalhos foram rejeitados. Outra estratégia foi questionar o cálculo da equipe econômica que estima o impacto fiscal da derrubada do veto. 

— Acreditamos que o ministro de Estado não pode ficar mentindo para a população brasileira, colocando números completamente inverídicos — disse André Figueiredo (PDT-CE), líder da oposição na Câmara.

TRAVA NA ALTA DE DESPESAS

O governo argumenta que o congelamento é necessário porque impede não apenas reajustes concedidos por prefeitos e governadores, mas também trava o tempo de progressão das carreiras — regra que faz com que, na prática, a despesa com pessoal cresça automaticamente todos os anos. 

O veto faz parte de um projeto com muitas idas e vindas no Congresso.

Maia lembrou que o seu projeto de socorro aos estados e municípios, que previa um “seguro” contra as perdas com impostos, foi atacado pelo governo, que recorreu ao Senado para estabelecer um valor fixo. Esse valor, inclusive, acabou sendo maior que o previsto no projeto de Maia. Mas ressaltou que a votação não deveria ser uma resposta às críticas: 

—Hoje, a construção da solução está passando pela própria Câmara dos Deputados. Nada melhor do que o tempo para mostrar que aquilo que nós fizemos aqui, tão criticado, estava no caminho certo. Aliás, aquilo que nós aprovamos aqui, do ponto de vista do apoio a governadores e prefeitos, a nossa regra (de distribuição dos socorro), daria menos recursos. Melhor para os estados e municípios.

“Então, eu não posso governar o país. Se esse veto for mantido na Câmara, é impossível governar o Brasil. É impossível” 

Jair Bolsonaro, presidente da República, pela manhã

“Se nós não controlarmos os gastos dos entes federados, quem vai pagar a conta é o cidadão”

Rodrigo Maia, presidente da Câmara

“Se temos um teto de gastos, precisamos ter também uma limitação das despesas”

Ricardo Barros, novo líder do governo na Câmara