O Estado de São Paulo, n.46274, 27/06/2020. Política, p.A4

 

Governo busca apoio para blindar Flávio no Senado

Vera Rosa

Daniel Weterman

27/06/2020

 

 

Poderes. Planalto intensifica negociações por cargos, enquanto oposição tenta instalar CPI e pressiona Conselho de Ética a abrir processo de cassação do filho do presidente

Sem base de sustentação no Senado, o governo intensificou as negociações para distribuir cargos no momento em que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) é alvo de investigações e a oposição recolhe assinaturas para outra CPI no Congresso. Ao mesmo tempo, desde a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, no dia 18, líderes de partidos pressionam o Conselho de Ética do Senado para abrir processo de cassação contra Flávio, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.

Embora o senador tenha conseguido uma vitória no inquérito que investiga esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, a avaliação no Planalto é a de que o governo precisa de uma blindagem no Senado. Depois das tratativas sobre cargos para indicados pelo Centrão na Câmara, com o objetivo de barrar qualquer processo de impeachment contra Bolsonaro, o Planalto tem agora um foco maior sobre outra Casa, de Salão Azul.

As conversas também envolvem um possível apoio do governo à reeleição do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A disputa ocorre em fevereiro de 2021 e a Constituição proíbe que presidentes da Câmara e do Senado sejam reconduzidos ao posto na mesma legislatura. Alcolumbre tem, no entanto, um parecer indicando que, como o mandato de senador dura oito anos – o dobro do de deputado –, existe saída jurídica para permitir a reeleição. Maia, por sua vez, nega que seja candidato.

Até agora, Alcolumbre conseguiu manter com seu partido, o DEM, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). A indicação foi feita pela Câmara, mas apadrinhada pelo presidente do Senado. Na outra ponta, o comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ficou com o chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas. O FNDE tem orçamento anual de R$ 54 bilhões.

Fragilidade. Todas essas negociações avançaram diante da fragilidade do governo Bolsonaro e dos problemas enfrentados por Flávio. Aliada do presidente, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) admitiu que, “politicamente”, o caso Queiroz atrapalha o governo.

A 3.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio concedeu, anteontem, foro especial ao senador no julgamento do processo sobre o esquema de “rachadinha”, que consiste no repasse de parte do salário do servidor ao político. A suspeita do Ministério Público do Rio é a de que Queiroz atuava como operador de Flávio. Os dois negam as acusações.

Para Soraya, Bolsonaro deve cobrar apoio dos partidos do Centrão – bloco formado por Progressistas, PL, Republicanos, Solidariedade, PSD e parte do DEM –, contemplados com cargos. O grupo, no entanto, não atua no Senado. “Ou é porteira fechada e tem o ministério inteiro ou garante ‘x’ de votos e tem metade”, disse ela.

Mesmo com a pandemia do novo coronavírus, a oposição tem recolhido assinaturas para instalar a “CPI do Queiroz”, que reuniria deputados e senadores. Atualmente, já tramita no Congresso a CPI das Fake News. Para a abertura de uma CPI é necessário o apoio de 171 deputados e 27 senadores. A instalação dessa comissão mista, porém, depende de Alcolumbre.

“Estou coletando assinaturas p/ criar uma CPI p/ investigar as ligações de Queiroz c/ Flávio Bolsonaro. A prisão de Queiroz deixou evidente ligação dele e do filho do presidente c/ milícias, rachadinhas e, possivelmente, c/ o ‘escritório do crime’”, escreveu o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) no Twitter. “A CPI do Queiroz é o pedido mais ridículo que já vi”, reagiu o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO).

Na avaliação de Gomes, o governo e o Congresso “amadureceram” nas negociações, após Bolsonaro ter sido acusado de se render à velha política. “Estamos chegando numa fase em que o novo normal é ser normal”, disse. Pressionado para abrir processo de cassação contra Flávio, o presidente do Conselho de Ética, Jayme Campos (DEM-MT), avisou que não decidirá de maneira intempestiva. “Eu não sou Maria vai com as outras. Vou agir de acordo com a lei.”

Sempre dizendo que as negociações não representam “toma lá, dá cá”, o senador Telmário Motta (PROS-RR) indicou, em recente conversa com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, o interesse de integrar a base aliada. “Isso é um processo muito natural e o PROS está disposto a fazer indicações”, observou ele. Irônico, Major Olímpio (PSL-SP) resumiu a situação recorrendo a um antigo ditado. “A vaca já foi para o brejo há muito tempo. Agora, só precisamos saber a distância do brejo e a velocidade da vaca”.