O globo, n. 31786, 16/08/2020. Sociedade, p. 12

 

Rússia anuncia início da produção de sua vacina

16/08/2020

 

 

País, no entanto, continua sem apresentar provas de segurança e eficácia

 A Rússia já começou a produzir o primeiro lote de sua vacina contra a Covid-19. A informação foi anunciada ontem pelo Ministério da Saúde russo. Porém, nenhum detalhe de estudo sobre a segurança e a eficácia do imunizante foi apresentado.

Sob desconfiança da comunidade internacional, a vacina chamada Sputnik V foi desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Gamaleya. Ela é a aposta do governo russo para chegar na frente na corrida por um imunizante contra o coronavírus Sars-CoV-2.

A vacina foi batizada em alusão ao primeiro satélite artificial construído pelo homem, colocado em órbita da Terra pela antiga União Soviética em 1957.

Com a Sputnik V, a Rússia agora se tornou o primeiro país a registrar uma vacina contra a Covid-19. A pandemia já matou 760 mil pessoas no mundo e infectou mais de 21 milhões, sendo o Brasil o segundo país mais atingido, atrás somente dos Estados Unidos.

A Rússia, no entanto, não apresentou ainda ensaios clínicos sobre a eficácia e a segurança do imunizante.

PRESTÍGIO PRIMEIRO

Especialistas de vários países — como Anthony Fauci, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA e um dos infectologistas mais respeitados do mundo —não só desconfiam dos resultados que os russos dizem ter, mas não mostram, como também acreditam que a decisão russa representa uma ameaça. Para os especialistas, com a rápida aprovação regulatória, Moscou pôs sua busca por prestígio na frente da segurança.

A vacina russa começou a ser produzida sem a realização de testes que normalmente envolveriam milhares de participantes. Esses ensaios são chamados de Fase III e servem para atestar que uma vacina é capaz de produzir imunidade contra um determinado patógeno.

Sem eles, vacina alguma já foi aprovada no mundo. Porém, nem mesmo os resultados de testes de segurança russos são conhecidos. Uma pesquisa divulgada na última terça mostrou que a maioria dos médicos russos não se sentiria confortável em receber doses da vacina produzida em seu país. A Rússia informou que a vacina será lançada até o final deste mês.

O presidente Vladimir Putin garantiu ao público que ela é segura, acrescentando que uma de suas filhas tomou o imunizante como voluntária e se sentiu bem depois. Para que um imunizante seja considerado seguro, porém, são necessários testes com centenas de pessoas. Mesmo sem garantia de eficácia e segurança, a vacina despertou interesse no Brasil.

O diretor-presidente do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), Jorge Callado, afirmou que o governo do estado assinou um memorando de entendimento com a Rússia e que um grupo de trabalho começará as “tratativas técnicas” para aquisição e produção do imunizante. Callado enfatizou que o acordo só valerá de fato após acesso a dados sobre testes, o que não deve acontecer antes de um mês, e a aprovação das entidades regulatórias brasileiras.

— A produção só começará após a aprovação de todos os órgãos regulatórios, como a Anvisa e a Comissão Nacional de Ética e Pesquisa. E, claro, com a consonância da OMS, que é fundamental. Não vamos queimar etapas. Vamos seguir todas as etapas técnico-científicas —afirmou.