O globo, n. 31786, 16/08/2020. País, p. 10

 

Fragmentação reduz impacto da oposição na rede

João Paulo Saconi

Marlen Couto

16/08/2020

 

 

Enquanto base bolsonarista se agrupa em torno da chamada “guerra cultural”, opositores não têm discurso coordenado. Levantamento aponta que grupo só alcança 10% do engajamento no Twitter dos aliados do presidente

 Enquanto apoiadores do presidente Jair Bolsonaro construíram, desde as eleições de 2018, uma forte coalização digital em torno de pautas relevantes para o campo bolsonarista, siglas e políticos da oposição,à esquerda e ao centro,ainda patinam na tentativa de se equiparar em alcance e no engajamento conquistados nas redes sociais pelos aliados do Palácio do Planalto. Especialistas e políticos ouvidos pelo GLOBO avaliam que o desafio encontrado na internet pelos opositores está na ausência de um discurso coordenado, sobretudo em torno de temas relevantes para aqueles que desaprovam Bolsonaro.

Nas fileiras do presidente, os ataques a adversários e instituições mantiveram a tropa unida nos primeiros 18 meses de mandato. Agora, coma mudança de tom do presidente,a chamada“agenda de costumes”, ou “guerra cultural” para os mais belicosos, tem garantido a mobilização. Uma análise da consultoria especializada em redes sociais Arquimedes dimensiona a disparidade de impacto entre os dois polos.

O levantamento revela que, no Twitter, ao se considerar 17 perfis relevantes do campo governista e 17 de oposição, o grupo bolsonarista registrou engajamento médio quase dez vezes maior, entre 7 de julho de 6 de agosto deste ano. Para Pedro Bruzzi, sócio da Arquimedes, a oposição tem um número maior de lideranças divididas em vários partidos, o que dificulta a coordenação política, enquanto a base governista consegue apontar seus esforços para os mesmos temas.

— Bolsonaristas são guiados pela pauta ou crise do governo no momento, buscando promover a coesão em torno de inimigos comuns. A pauta de costumes, ligada ao conservadorismo, também é usada para reagrupar, evitando disputas internas — analisa Bruzzi.

— (Já na oposição) Há uma variedade de temas sendo tratados e isso acaba dividindo as atenções e confundindo o grupo.

EXPOENTES

O levantamento da Arquimedes considerou a relação entre respostas, curtidas e compartilhamentos das publicações feitas no Twitter em relação ao número de seguidores conquistados por figuras como o próprio Bolsonaro, seus filhos, os ex-presidentes Lula (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o ex-ministro Sergio Moro e parlamentares cuja atuação virtual é relevante para os dois lados da disputa.

Os índices mais altos foram obtidos por bolsonaristas: os deputados federais Daniel Silveira (PSL-RJ) e Otoni de Paula(PSC-RJ)lideram—astaxas de engajamento deles são de 40,3% e 34,7%, respectivamente.A oposição tem índices baixos, com destaque apenas para a deputada JandiraFegha li( PC do B- RJ) eosen ador Humberto Costa (PT-PE), com engajamento de 5%. O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) concorda que faltaà oposição mais união nas redes sociais, mas também aponta para a necessidade de uma agendam enos reativa às declarações e polêmicas do presidente e sua rede.

— Precisamos ter estratégia política também: não cair na cortina de fumaça, não se perder, não entrar em debate que não valem a pena. Uma saída é trabalhar unificado. Talvez seja mais fácil que uma união eleitoral. É mais fácil se unir nos temas que na estratégia eleitoral. Entre filiados do PSB, principalmente os que comandam perfis institucionais, comportamentos como o mencionado por Freixo viraram recomendação. A ideia é não responder diretamente a bolsonaristas, para evitar contribuir com o engajamento do grupo. No PDT, os discursos de Ciro Gomes, com reaçõesfrequ entesàs falas de Bolson aro, funcionam como catalisador para engajara militância.

No PT, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad apresentou em março um plano para estruturara atuação do partidonas redes, mas o projeto não foi adiante. No mês passado,a sigla lançou um site volta dopar aseus quadros como objetivo de orientara estratégia digital nas eleições deste ano e assegurar unidade. Para Manuela D'Ávila (PcdoB), pré-candidata à prefeitura de Porto Alegre, a oposição conquistou avanços recentes ao atuar virtualmente pela aprovação do auxílio emergencial e das diretrizes do Fundeb. Ela destaca esses dois exemplos como um caminho possível para a criação de uma agenda nas redes:

—Nossa missão é sermos os donos da agenda. A internet é sob reque mé odo noda agenda política. Nosso desafioé mostrar os impactos do governo Bolsonaro e não ficarmos reféns da agenda política dele. Doutor em Comunicação pela UFF, Marcelo Alves analisou em sua tese a polarização entre 2013 e 2018 e identificou que, no período, a direita teve quase três vezes mais visibilidade que a esquerda no Facebook. Entre os motivos, está o uso mais sistematizado de recursos pela direita e o fato de que a esquerda tem uma atuação mais centralizada.

—Isso dificulta a viralização, a propagação de memes e conteúdos.Só comum a visão com o digital em primeiro que você consegue desenvolver uma estratégia política —diz Alves. Para George Avelino, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a disparidade na internet é reflexo de um “vácuo de atuação” da oposição também fora da internet: — Os cargos, as nomeações e as estruturas fazem com que o governo se aglutine e tenha recursos para construir o próprio discurso —diz Avelino.