Correio braziliense, n. 20923, 05/09/2020. Política, p. 2

 

Riscos e falhas de uma reforma

Rosana Hessel 

05/09/2020

 

 

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa, enviada pelo governo ao Congresso na quinta-feira, serviu para agradar ao mercado, dando um sinal de que o presidente Jair Bolsonaro pretende manter a agenda reformista. Mas, além de não ter impacto fiscal de curto prazo, ela apresenta resultados duvidosos no médio e no longo prazos. Com isso, segundo especialistas ouvidos pelo Correio, não deve reduzir muito essa despesa, pois mais da metade dos servidores das folhas da União e dos entes federativos é de aposentados e pensionistas.

“O maior problema da administração pública são os inativos. Mesmo com a reforma da Previdência aprovada, a despesa com aposentadorias e pensões continuará crescendo em ritmo mais acelerado do que a com funcionários ativos. Nos estados, o quadro é mais preocupante do que na União, e, dificilmente, a reforma será feita com a inclusão dos poderes autônomos”, alertou o economista Raul Velloso. Pelas contas dele, nos últimos anos, o crescimento dessas despesas ficou bem acima da inflação e, portanto, a reforma proposta, mantendo a autonomia dos Poderes, é “um tiro n’água”.

Na avaliação do economista Leonardo Ribeiro, consultor do Senado Federal, o problema dos inativos pode comprometer qualquer resultado da reforma administrativa. Ele cita, também, o problema dos servidores da ativa que ganham acima do teto e não são atingidos pela reforma. “Essa é uma despesa que tem que ser atacada e que é difícil de ser medida em todas as esferas, porque não existem dados unificados de gastos com servidores que estão acima do limite do funcionalismo. Falta um mecanismo para obrigar os órgãos a apresentarem, de maneira transparente e centralizada, qual é o impacto fiscal dos gastos acima do teto nos três níveis de Poderes e de governos. Mas a reforma não prevê nada nesse sentido para melhorar a gestão”, criticou Ribeiro.

O problema de inativos nas despesas públicas vai além da reforma administrativa, lembrou o consultor do Senado. “O custo atual da folha de pagamentos é de 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB), o mesmo percentual de 1998. Contudo, o governo tem uma previsão de reduzir o custo da folha para 2,6% do PIB até 2026 para atender às regras previstas no teto de gastos. Só que, como a metade da folha é de inativos, não é factível”, destacou. Ele lembrou que a previsão do rombo da Previdência Social em 2021, será de R$ 287 bilhões, dado superior à previsão de deficit primário das contas públicas, de R$ 233,6 bilhões. “O efeito da reforma da Previdência é pequeno nos primeiros anos e, portanto, o governo ainda vai precisar aumentar imposto para conseguir cobrir esses rombos”, afirmou.

Críticas e riscos

Um dos pontos positivos da PEC apontados pelos analistas é o fato de prever, finalmente, a possibilidade de demissão de servidor por mau desempenho, algo previsto na Constituição de 1988 e que, até agora, nunca foi regulamentado devido ao lobby das corporações. Mas, como a reforma está muito fatiada e prevê regulamentação das regras posteriormente, também não há garantias de que isso ocorrerá de forma rápida. “Se tudo não for bem amarrado e bem negociado pelo governo com os parlamentares, a reforma ainda corre o risco de ser engavetada e não ter efeito algum”, alertou a economista Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Para ela, a PEC é boa, mas não mexe com os servidores da ativa, nem mesmo nos penduricalhos que eles recebem. “Ou seja, a reforma é para um público que não existe. Corrige apenas as distorções futuras e não melhora os problemas atuais que ainda vão custar muito caro para todos durante muitos anos”, lamentou.

Enquanto isso, o Ministério da Economia continua sem divulgar a previsão que ele tem dos impactos fiscais da PEC da reforma administrativa. O secretário da Fazenda, Waldery Rodrigues, disse, ontem, que o impacto fiscal será divulgado no “momento devido”. Segundo ele, a ênfase, agora, é na “questão da eficiência e da melhor prestação de serviços ao cidadão”. “A reforma administrativa vai na direção correta de trazer mais eficiência na prestação de serviços. Não afeta para trás, não afeta os atuais servidores. Afeta para a frente na valorização do servidor público”, alegou.

Waldery reforçou o discurso de que a reforma é imprescindível para o equilíbrio fiscal do país. Ele disse que, apesar de não crescer de forma explosiva como os gastos previdenciários, a despesa com pessoal “estacionou em um patamar elevado”, próximo a 4,4% do PIB.

Analistas também reconhecem que a PEC tem problemas que poderão ser questionados na Justiça, como é o caso dos regimes jurídicos e do fim da aposentadoria compulsória — muito comum no Judiciário. (Colaborou Marina Barbosa)

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Em busca da articulação ideal 

Luiz Calcagno 

Jorge Vasconcellos 

05/09/2020

 

 

O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que o Executivo pretende adotar um modelo de interlocução diferente com o Congresso. A ideia é abrir espaço para parlamentares na fase de elaboração de reformas e outros projetos legislativos. Nos bastidores, é dito que duas propostas do governo teriam sido retiradas do texto da reforma administrativa por recomendação de deputados e senadores ligados ao Centrão: a criação de um “fast track” para privatizações, dispositivo que aceleraria venda de empresas estatais; e o fim da licença remunerada de servidores que se viessem a se tornar candidatos em eleições.

Outra ponto considerado delicado por congressistas é a definição de quais serão consideradas as “carreiras de Estado” — aquelas que têm direito à estabilidade, como os professores. A decisão em relação ao tema ficou para o  Congresso. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma administrativa não agradou os parlamentares que apoiam o lobby dos servidores públicos nem os que defendem mudanças que eliminem distorções no funcionalismo. Para estes últimos, a proposta do governo é muito tímida, não atinge aos atuais servidores e nem ataca os privilégios, como os supersalários. Segundo esses críticos, os impactos financeiros serão ínfimos a médio prazo.

Porém, Barros disse que não confirma a informação, divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo, de que integrantes do Centrão tiveram acesso a um texto preliminar da reforma administrativa e teriam convencido o ministro da Economia, Paulo Guedes, a retirar trechos considerados “polêmicos”. Outros membros do bloco que inclui o PL, PP, PSD, Solidariedade, Pros, PTB e Avante também disseram não ter conhecimento dessas conversas.

“Nós tivemos uma conversa na terça-feira no Palácio do Planalto, anunciamos a prorrogação do auxílio emergencial e a entrega da reforma administrativa. Durante aquele café da manhã eu expliquei aos líderes quais seriam os termos da reforma, disse que ela não atingiria aos novos servidores, que buscamos um Estado mais leve, mais moderno. Então, já houve, ali, uma aquiescência no sentido desse contexto de reforma. Então eu acredito que, dentro desse tipo de articulação que estamos fazendo, teremos mais comprometimento da base em votar as matérias", afirmou ao Correio o líder do governo. “Eu não estou vendo, desde ontem, quando nós anunciamos o texto da reforma de manhã,  não vi ninguém discutindo pontos, dizendo que algo precisaria mudar”.

O Correio confirmou com interlocutores do presidente Jair Bolsonaro que ele concordou em apresentar um texto mais brando para não passar a impressão, em ano de eleições municipais, de que os funcionários públicos poderiam perder direitos. O presidente, que havia afirmado que não se envolveria com as eleições municipais, passou a adotar um discurso diferente, avisando que poderá participar do segundo turno do pleito.