O globo, n. 31782, 12/08/2020. Sociedade, p. 15

 

Corrida arriscada

Rafael Garcia

12/08/2020

 

 

Rússia aprova vacina sem concluir teste e negocia produção no Paraná

Sem apresentar nenhum estudo concluído, o governo russo anunciou ontem que aprovou a comercialização da vacina contra Covid-19 desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Gamaleya, de Moscou, que teria obtido bons resultados de segurança e resposta imune. A Rússia já começou a negociar acordos de produção, inclusive no Brasil (leia mais abaixo).

Ainda sem um pedido de registro do produto na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), o governo do Paraná já promete fabricar a vacina.

Anunciando para o produto o nome comercial de Sputnik 5, em referência ao primeiro satélite lançado ao espaço na História, o chefe do fundo soberano da Rússia, Kirill Dmitriev, disse que a vacina deve começar a ser produzida em novembro.

VETOR VIRAL

O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), deve se reunir hoje com o embaixador da Rússia, Sergey Akopov, para discutir um convênio. “O encontro é para definir os termos de um possível acordo”, afirmou comunicado do governo paranaense.

Se firmado o contrato, a previsão é que a distribuição no Brasil não comece antes do segundo semestre de 2021, possivelmente depois de outras vacinas que estão sendo desenvolvidas em parcerias no Brasil. O Instituto de Tecnologia do Paraná( Tecpar) será responsável porto das as etapas, desde um braço do ensaio clínico de fase 3 até a distribuição das doses. A Anvisa, porém, afirma quen em sequer recebeu um pedido de registro do produto.

“Não é obrigatório que um medicamento tenha testes no próprio país para ser registrado. Porém qualquer teste tem que ser autorizado pela Anvisa”, disse a agência ao GLOBO. “Se o pedido de registro for feito com base em testes realizados fora do Brasil, a Anvisa precisa ter acessoa todos os dados e resultados da pesquisa ”.

Oques e sabe até agora sobre a vacina é aquilo que foi registrado no portal ClinicalTrials.gov, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), que a Organização Mundial da Saúde( OMS) us apara agregar informação sobre diferentes iniciativas de vacina.

O produto consiste de um “vetor viral não replicante” contendo RNA, material genético do vírus, capaz de produzir “antígenos”, moléculas similares ao novo coronavírus, para “treinar” o sistema imune a atacar o patógeno. No caso, o RNA da vacina é transportado para dentro do organismo dos voluntários por meio de um outro vírus, o “vetor”, um adenovírus inócuo, incapaz de se reproduzir.

Em junho, os russos afirmaram que realizariam o teste defase 1, para avaliara segurança do produto, com aplicação em 18 voluntários. Cinco dias após anunciara fase 1, já começou acorrerem paralelo um teste de fase 2 (para avaliar resposta imune), em 20 voluntários. Não havia nenhuma linha compartilhada com o público, até ontem à noite, sobre resultados dos testes.

Par aprovara eficácia da vacina, ela precisa passar pelo crivo da fase 3, mostrando se a vacina protege os indivíduos. A fase 3 já estaria em estágio avançado de realização, segundo o governo russo.

Para o imunologista Jorge Kalil, da Faculdade de Medicinada USP, a decisão do governorus sode aprovara vacina levou em conta apenas critérios de marketing político, para passara ideia de que a Rússia estaria vencendo uma corrida:

—É um jogo de marketing político, como o da corrida espacial. Eles não jogam o jogo como todo mundo. Eles têm regras próprias.

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Ministério da Saúde quer dados mais detalhados

Renata Mariz

12/08/2020

 

 

Técnicos da pasta afirmam que primeira reunião indicou procedimentos açodados no desenvolvimento de lmunizante

 Diante das informações insuficientes sobre o desenvolvimento da vacina russa contra a Covid-19, o Ministério da Saúde brasileiro fará uma segunda reunião sobre o tema até semana que vem. A ordem é buscar mais dados sobre a droga antes de qualquer plano de aquisição.

Isso porque, segundo fontes da cúpula da pasta, o primeiro encontro com representantes da pesquisa russa, feito na terça-feira passada, foi marcado pela ausência de informações detalhadas. Para técnicos do ministério, ficou a impressão de que a pesquisa tem sido conduzida de forma açodada.

Eles estranharam, por exemplo, os prazos citados para o desenvolvimento de determinadas etapas do estudo. Procedimentos que durariam de dois a seis meses foram descritos como tendo sido concluídos em 20 dias, relatou um integrante da pasta.

A avaliação geral é que não foram apresentados todos os dados necessários para se ter um panorama completo dos estudos que resultaram na droga anunciada pelo governo russo. Por isso, a equipe técnica do Ministério da Saúde vai se reunir mais uma vez com representantes dos desenvolvedores do imunizante.

A nova rodada de conversas deve ocorrer até semana que vem. A ideia da pasta é se reunir com os representantes dos pesquisadores e integrantes da embaixada russa em Brasília. Na ocasião, pedirão dados mais aprofundados sobre o imunizante anunciado.

O Ministério da Saúde planeja agir de forma coordenada com o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), por meio do qual o governo paranaense quer fechar um acordo com a Rússia para produzir a vacina anunciada. Técnicos da pasta relataram que a mesma cautela adotada no governo federal será repetida pelo Tecpar.

Em nota, o Ministério da Saúde se restringiu a dizer que “está atento aos estudos e a todas as vacinas em desenvolvimento e garante que, assim que tiver acesso à vacina comprovadamente eficaz, os brasileiros terão acesso a ela”.