O globo, n. 31782, 12/08/2020. País, p. 14

 

Mendonça entrega relatório sobre “antifascistas"

Runo Góes

Vinicius Sassine

12/08/2020

 

 

Depois de negá-lo ao MPF, ministro enviou ao Congresso documento suspeito de configurar perseguição a servidores; titular da Justiça afirma não ter feito dossiê, e parlamentares assinarão termo de confidencialidade para acessar dados

 A Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência recebeu ontem o relatório do governo de mais de 400 páginas que listou 579 servidores públicos que se declaram “antifascistas”, em publicações nas redes sociais ou manifestos ligados à causa. O documento, elaborado por órgão do Ministério da Justiça, foi enviado por determinação do chefe da pasta, André Mendonça. Ainda foram entregues relatórios feitos no governo de Dilma Rousseff , no âmbito dos grandes eventos promovidos no Brasil (Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016) e dos protestos relacionados ao impeachment de Dilma em 2016.

Esses relatórios foram usados por Mendonça para argumentar que o dossiê contra os opositores de Bolsonaro não é uma peçais olada eque esse ti po de monitoramento é comum em atividades de inteligência, sem que isso signifique o apontamento de uma irregularidade ouse configure uma investigação. Mendonça havia citado a existência de outros documentos na reunião que teve com parlamentares da Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência do Congresso, na semana passada.

O presidente do colegiado, Nelsinho Trad (PSDMS), informou que os documentos serão analisados por deputados e senadores.

— Foi trazido através do Ministério da Justiça ao nosso gabinete, em cópia de CD, um relatório com mais de 400 páginas e outros documentos. Nós vamos fazer uma reunião da comissão, na semana que vem, porque há que se observar um rito regimental para disponibilizar esse relatório para outros integrantes — explicou o senador.

— Há um termo de confidencialidade, que cada um tem que assinar para receber esse relatório — acrescentou o senador.

Há três semanas, o UOL revelou a existência de relatório de inteligência produzido pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), subordinada à pasta de Mendonça, sobre 579 pessoas identificadas com grupo antifascista. Os dados dessas pessoas foram enviados a diferentes órgãos de persecução e investigação.

Nelsinho Trad contou que André Mendonça queria levar as informações ao Congresso pessoalmente. No entanto, o ministro está em casa, de quarentena, por causa do contágio de mulher e filho pela Covid-19.

ANÁLISE SEMANA QUE VEM

O presidente da comissão mista disse que viajará amanhã para o Líbano, onde participará de comitiva de auxílio ao país após a explosão que atingiu Beirute. Só depois, na terça-feira da semana que bem, alinhará todos os detalhes para que o material seja analisado.

—Sobre a maneira que vamos fazer, ainda será pactuado. Neste CD há vários documentos. Eu mesmo assinei o termo de confidencialidade —afirmou Trad.

Em nota, o Ministério da Justiça afirma que enviou ao Congresso Nacional “informações e documentos necessários para a realização da atividade de controle e fiscalização externos da atividade de inteligência”. A pasta lembra ainda que Mendonça participou de reunião da comissão na última sexta-feira, que durou mais de três horas.

“O ministro respondeu todas as perguntas formuladas pelos parlamentares e reafirmou não admitir qualquer ato ou conduta à margem dos princípios constitucionais ou das normas que regem a atividade de inteligência, especialmente se tiver por fim a prática de perseguição ou cerceamento de liberdades individuais de quem quer que seja”.

O Ministério da Justiça destacou ainda que, na ocasião, “o ministro informou aos parlamentares sobre a instauração de sindicância investigativa para apuração dos fatos noticiados”, cujo resultado “será apresentado” à comissão.

Apesar de ter encaminhado o material ao Congresso, o ministério se recusou a entregá-lo ao Ministério Público Federal (MPF). A posição da pasta está num documento de 11 páginas encaminhado à Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, que instaurou um procedimento preliminar — chamado notícia de fato —para apurar as circunstâncias da elaboração do relatório de monitoramento de opositores do presidente Jair Bolsonaro.

Em relação a esse pedido, a pasta informou na mesma nota que a atribuição para fazer tal requerimento “é única e Chefe do Ministério Público da União e não de outros membros da instituição”.

FORO PRIVILEGIADO

O parecer enviado ao MPF foi elaborado pela consultoria jurídica do Ministério da Justiça, formada por advogados da União. O documento foi encaminhado ao procurador da República pelo secretário substituto de Operações Integradas, Eduardo de Freitas da Silva.

“Não pairam dúvidas de ques e revela equivocado o endereçamento da solicitação ao secretário de Operações Integradas, uma vez que, pela evolução dos acontecimentos, atemática foi alçada aos cuidados diretos do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública”, cita o parecer. O documento diz que este fato “exige a adaptação e observância dos rigores procedimentais aplicáveis aos ministros de Estado, inclusive nas relações interinstitucionais 

Assim, conforme a alegação dos advogados do ministério, o secretário de Operações Integradas, o delegado da Polícia Civil do DF Jeferson Lisbôa Gimenes, deixa de ser o responsável “imediato” pela questão. “Não resta alternativa além da devolução do expediente ao procurador da República para que, pelas vias internas adequadas, encaminhe solicitação ao procurador-geral da República (Augusto Aras).” Ministros de Estado têm foro privilegiado junto ao STF. A equipe do ministro da Justiça, assim, pediu que o assunto passe a ser trata dono âmbito desse foro.

A Seopi integra o Sistema Brasileiro de Inteligência( Sisbin). Com achegada de Mendonça ao Ministério da Justiça, produziu o relatório de monitoramento de grupos antifascistas. Histo ricamente, o foco da secretaria é direcionado a ações de inteligência na área de segurança pública, combate ao crime em fronteiras e integração entre polícias.