O globo, n. 31781, 11/08/2020. Sociedade, p. 9

 

Excluídos do ensino remoto

Paula Ferreira

11/08/2020

 

 

Relatório aponta falta de inclusão na pandemia

 O segundo relatório de acompanhamento das ações do Ministério da Educação (MEC) durante a pandemia, produzido pela Comissão Externa da Câmara (Comex/MEC) que monitora a pasta e obtido com exclusividade pelo GLOBO, acusa o governo de não tomar nenhuma medida para garantir o acesso de estudantes com deficiência à educação remota durante a pandemia.

O texto descreve o cenário como “preocupante” e cita as constantes trocas de ministro na pasta. No documento, a Comex/MEC emite 16 recomendações ao Poder Executivo Federal e três para a Câmara dos Deputados.

O documento aponta ainda a baixa execução orçamentária dos recursos da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec). Até o momento, foram gastos R$ 505.242.177, o que representa 17% da verba prevista para 2020, de cerca de R$ 2,2 bilhões. Nessa etapa, a execução da verba para atividades de fomento a pesquisas e inovação foi de apenas 2,28%.

“O cenário apresentado é preocupante, visto que a alta rotatividade prejudica o andamento de políticas educacionais voltadas à pandemia e ao pós-pandemia. Além disso, fragiliza ações de coordenação entre o ministério e demais entes federados, o que gera descompasso na implementação de ações efetivas para a volta às aulas e na definição de um calendário letivo para as redes escolares”, destaca o relatório.

Embora adote um discurso de promoção da inclusão, impulsionado sobretudo pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o Executivo não implementou nenhuma política para garantir que esse público seja assistido durante o ensino remoto imposto pelo isolamento social. De acordo com dados do Censo Escolar 2019, divulgado neste ano, o Brasil tem 1,3 milhão de matrículas na educação especial, número que tem crescido ao longo dos anos em todas as etapas de ensino.

 ‘Nenhuma medida’

“Até julho de 2020, nenhuma medida havia sido tomada pelo governo federal no sentido de promover a educação do campo, de povos indígenas, quilombolas ou a educação inclusiva durante a vigência das políticas de isolamento social”, diz o relatório. “Não detectamos medidas da Semesp que tenham como objetivo implementar o Atendimento Educacional Especializado em ambiente domiciliar ou, ainda, que visem prestar apoio financeiro às redes por meio da distribuição de recursos educacionais para a acessibilidade.”

A Semesp (Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação) do MEC é a responsável por traçar políticas para esses públicos, mas a comissão da Câmara aponta um vácuo na atuação do órgão.

Segundo o grupo, o ensino voltado para pessoas com deficiência e minorias como quilombolas e indígenas, além da educação no campo, já tem uma estrutura frágil, o que demanda uma atuação mais contundente por parte do poder público para viabilizar o acesso dos estudantes aos conteúdos durante a pandemia. Nesse sentido, caberia à Semesp editar ações para viabilizar, por exemplo, o acesso à internet, proporcionar profissionais qualificados para fazer o acompanhamento desses estudantes durante a pandemia, além de fornecer estrutura para envio de materiais pedagógicos.

Apesar dessas necessidades, as ações da Semesp foram pouco efetivas no campo prático. À Comex, a secretaria afirmou que tem realizado reuniões com a Casa Civil para monitorar as ações relativas a esse público. A Semesp menciona sua contribuição para documentos do Conselho Nacional de Educação (CNE), utilizados como diretrizes para as redes. O trecho do parecer do CNE com orientações aos sistemas de ensino sobre a retomada de aulas e o atendimento às pessoas com deficiência foi contestado pelo Ministério Público Federal por equiparar deficiência a comorbidade e, na opinião do órgão, “promover a exclusão”.

A secretaria menciona ainda a liberação de recursos da ordem de R$ 30 milhõespara fornecer água a escolas do campo; R$ 19 milhões para a formação indígena; R$ 5 milhões para a Educação Especial e R$ 2 milhões para a Educação Bilíngue de Surdos. A Semesp não esclarece, no entanto, quando esses recursos foram disponibilizados.

— A secretaria poderia ter atuado em conjunto com os entes federados, no financiamento de material impresso, visual ou sonoro voltado para esse público e ter ainda incentivado a capacitação e contratação de apoio voltadas ao Atendimento Educacional Especializado, essencial na pandemia. É preciso ter um olhar diferenciado para aqueles que estão em situação desigual e enxergar a pessoa com deficiência como estudante. Já na volta às aulas, lamentavelmente, a tendência é ver as pessoas com deficiência se distanciarem ainda mais dos estudantes que não precisam de ferramentas de acessibilidade e inclusão para garantir a adaptação às aulas remotas — critica o coordenador da Comex/MEC, deputado João Campos (PSB-PE).

A Comex/MEC foi criada em abril de 2019 para fiscalizar o trabalho do Ministério da Eucação e é composta por três parlamentares além de João Campos: o vice-coordenador Felipe Rigoni (PSB-ES), a relatora Tabata Amaral (PDT-SP), e os coordenadores por temas Professor Israel Batista (PV-DF), Luísa Canziani (PTB-PR), Eduardo Bismarck (PDT-CE), Tiago Mitraud (Novo-MG) e Aliel Machado (PSB-PR).

Diante do cenário, entre outras medidas, o relatório recomenda que o MEC implemente uma política que promova o acesso das famílias a recursos educacionais para acessibilidade, além de ofertar atendimento especializado na casa dos estudantes e editar diretrizes para lidar com danos psicológicos e cognitivos de alunos com deficiência.

Nesse sentido, o relatório ressalta a defasagem no acesso ao ensino remoto no país e menciona que o programa do governo “Educação conectada”, que pretende oferecer internet para as escolas, tem alcance limitado e não atende à demanda.

Na semana passada, em resposta à mesma comissão da Câmara, o MEC afirmou desconhecer detalhes sobre o alcance do ensino remoto no país.

— Há uma paralisia no governo federal como um todo, e a educação especial vem na esteira disso. É importante ver o quanto o governo está paralisado em relação também aos programas que já existiam na área. Houve descontinuidade. Não vemos mobilização para retomar o que existia, ou aprimorar, e muito menos políticas novas— afirma Meire Cavalcante, pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Unicamp.