O globo, n. 31781, 11/08/2020. País, p. 8

 

Covid: governo refuta responsabilidade por mortes

Renata Mariz

Naira Trindade

Gustavo Maia

11/08/2020

 

 

Depois de o país bater marca de 100 mil óbitos, Planalto divulga a parlamentares ranking vinculando números da doença a governadores e prefeitos; nas red es, tática de comunicação é rebater críticas para blindar Bolsonaro

 Com o marco simbólico de mais de 100 mil mortos pela Covid-19, o governo deflagrou uma estratégia para tentar blindar a gestão Jair Bolsonaro do desgaste. Enquanto investe na divulgação de suas ações de enfrentamento à doença e rebate críticas na redes sociais, o Palácio do Planalto elaborou e distribuiu para congressistas um ranking vinculando o número de casos e mortes pela Covid-19 a governadores. Há um “top 5” de locais com mais “novos casos” e “novos óbitos”. Ao lado dos indicadores, vem o nome dos cinco chefes do Executivo estadual respectivos, começando por João Doria (PSDB), que governa São Paulo, adversário político do presidente Jair Bolsonaro.

O documento foi elaborado pela Secretaria de Governo da Presidência, com dados do Ministério da Saúde do último sábado, dia em que o Brasil ultrapassou os 100 mil mortos pela Covid-19. Com o marco simbólico, as cobranças sobre o governo federal em relação ao combate à pandemia se intensificaram.

Repassado pelo Planalto a parlamentares da base aliada, o material causou furor ontem entre deputados, que chegaram a considerar inicialmente que se tratava de fake news. Eles viram no material uma tentativa de Bolsonaro de se eximir das responsabilidades, ao mesmo tempo em que ataca governadores e prefeitos.

O documento traz um “top 5” das cidades que têm mais casos confirmados da doença. Alista começa com São Paulo, governada por Bruno Covas (PSDB),c om 213,5 mildi agnosticados. Co vastem criticado Bolson ar opor omissão no combate à pandemia.

Curiosamente, o segundo registrado pelo ranking é “Brasília”, mas o nome de Ibaneis Rocha (MDB), que governa o Distrito Federal (DF) e tem se alinhado a Bolsonaro nos últimos meses, não aparece.Éoúnic ocaso em que o documento omite o nome do chefe do Executivo local, apesar dos 121,8 mil casos de Covid -19 no DF. Em terceiro está Marcelo Crivella(Re publicanos). No Rio, já houve 74,4 mil casos, aponta o documento.

No ranking dos governadores, há o “top 5” de novos casos e de novos óbitos. Em ambos, João Doria aparece em primeiro, com SP tendo registrado 13,3 mil casos novos e 281 novas mortes, segundo o Planalto. Doria se tornou o principal opositor de Bolsonaro no contexto da pandemia. Os dois discutiram em uma videoconferência em que governadores debatiam medidas contra a Covid-19. Doria ameaçou ir à Justiça contra a União.

A Secretaria Especial de Assuntos Federativos (Seaf) da Secretaria de Governo da Presidência da República informou, em nota, que o documento tem como objetivo “monitorara disseminação da Covid-19 nos Entes Federativos para auxiliar na articulação do Governo Federal”. A intenção é “contribuir internamente na gestão de curto prazo de como a pandemia está se comportando nos Estados e Municípios”, disse o órgão. A Seaf não respondeu se a vinculação nominal de governadores e prefeitos em um ranking de mortes e casos foi feita para indicar a responsabilidade deles pelo avanço da doença.

“AÇÕES POSITIVAS”

Nas redes, o governo intensifica as tentativas de melhorar sua imagem em relação ao enfrentamento da Covid-19. O método usadoé“criar oportunidades” para divulgar a agenda positivado Planalto por meio de postagens de perfis de personalidades relevantes em número de seguidores. A estratégia—em curso nos últimos meses—ganhou desta queno domingo após a Secretaria de Comunicação da Presidência( Se com) respondera uma postagem do ex-ministro Sergio Moro.

Ao longo da semana passada, a Secom discutiu como seriam as postagens em relação à marca de 100 mil mortos vítimas do coronavírus. A ideia era tentar blindar Bolsonaro como conceito de que supostamente amar caseria registrada independentemente de quem estivesse à frente da Presidência. A secretaria preparou um material robusto, com pontos positivos e fez uma postagem mais genérica à espera de reações.

Ex-ministro Moro, então, escreveu que “não podemos nos conformar, nem apenas dizer #CemMilEdaí”. “São mais de 100 mil mortos; 100 mil famílias que perderam entes para a Covid. Que a ciência nos aponte caminhos e que a fé nos dê esperança”, completou. A postagem inaugurou a sequência de publicações positivas do governo já preparadas para a ocasião.

As mensagens da Secom seguiram a mesma linha de raciocínio adotada pelo ministro das Comunicações, Fabio Faria, que pediu “união contra o coronavírus”. “Faço esse convite especialmente a quem tem festejado o vírus. O governo não está deixando ninguém ficar pra trás ”, escreveu.