Correio braziliense, n. 20917, 30/08/2020. Mundo, p. 12

 

Rápida ascensão

Rodrigo Craveiro 

30/08/2020

 

 

Cada vez mais distante dos holofotes, o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, despertou rumores sobre o seu estado de saúde. Na última terça-feira, presidiu uma reunião do politburo (comitê executivo) do Partido dos Trabalhadores da Coreia. Dessa vez, foi a ausiência de Kim Yo-jong, irmã do líder, que saltou aos olhos dos analistas políticos. Alguns estudiosos sugeriram que Jong-un estaria preparando-a  para o poder. Jovem (ela tem 32 anos), astuta e cada vez mais presente em compromissos oficiais do autocrata de Pyongyang, Yo-jong ascendeu ao cargo de chefe do Departamento de Organização e Orientação (OGD) do único partido do país — o órgão lida com a doutrinação ideológica, a organização partidária e as nomeações políticas. O serviço de inteligência da Coreia do Sul avalia que ela ocupa a segunda posição no “comando de fato” da Coreia do Norte. Para ascender rapidamente na chamada “estirpe Paektu” e ganhar a confiança do irmã, Yo-jong chegou a ponto de ordenar a explosão do escritório de relações com o Sul, na cidade fronteiriça de Kaesong, em 16 de junho passado.

Para Sung-Yoon Lee, professor sul-coreano de direito e diplomacia da Universidade Tufts (em Massachusetts, Estados Unidos), Yo-jong consolidou essa posição em 2014. “Naquele ano, ela foi mencionada pelo nome na mídia estatal de Pyongyang, pela primeira vez. Ali, tornou-se a segunda liderança na  Coreia do Norte”, afirmou ao Correio. Lee explica que a irmã acompanhou Kim Jong-un durante reuniões com os presidentes Moon Jae-in (Coreia do Sul), Xi Jinping (China) e Donald Trump (Estados Unidos). “Somente em 2020, ela deu seis declarações formais. Em fevereiro de 2018, foi a estrela da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang. Os sul-coreanos a veem como a ‘Ivanka Trump da Coreia do Norte’ — uma alusão à filha do presidente americano. “Claramente, ela sabe como utilizar o charme e, ao mesmo tempo, ser ameaçadora. É uma mulher poderosa.”

Militares

Lee descarta que a elite militar norte-coreana revele-se um entrave, caso Yo-jong seja nomeada à sucessão. “Os generais rastejam diante dela. Todas as instâncias decisórias do regime comunista têm forte incentivo para proteger seus intersses e privilégios sob a próxima liderança. Eu espero uma transição suave”, comenta. O especialista em Coreia do Norte enumera as principais vantagens de Yo-jong para tornar-se a primeira mulher a comandar o país. “Além de ser descendente direta do fundador da nação, Kim Il-sung, assim como a fanília Kim, ela é dotada de supostas qualidades sobrenaturais que defenderão a nação do imperialismo e alcançarão a reunificação coreana”, observa. “Embora seja uma mulher em uma sociedade dominada pelos homens, Yo-jong é a única candidata viável ao trono. É astuta, autoritária, desperta autoconfiança e sabe como manipular os EUA e a Coreia do Norte”, principais inimigos do regime comunista.

De acordo com o norte-americano Bruce Bennett, especialista em defesa e em Coreia do Norte pela Rand Corporation (na Califórnia), os líderes norte-coreanos sempre forjaram os seus sucessores. Ele lembra que Kim Jong-il, pai do atual líder, enfrentou quase 30 anos de “preparação”. Jong-un, por sua vez, teve apenas cerca de três anos de cuidados visíveis, antes que o pai morresse, em 17 de dezembro de 2011, aos 70 anos. “A minha impressão é de que ele prepara a irmã como uma contingência para o futuro. O filho mais velho de Jong-un tem apenas 12 anos. Se algo ocorrer ao atual líder nos próximos 10 ou 20 anos, provavelmente outra pessoa precisará ascender ao posto”, disse ao Correio. “Isso não significa que Jong-un decidiu que Yo-jong será a escolhida. Ele testa a irmã e as elites mais antigas do país para ver se ela pode ser treinada. No fim das contas, o poder segue com Jong-un. Sua irmã tem se tornado mais proeminente, mas o ditador não a deixará tornar-se muito poderosa, e, portanto, uma ameaça a ele próprio.”

Bennett destacou que o líder da Coreia do Norte goza de status de “deus”. “Ser um deus tem mais a ver com o parentesco do que com qualificações individuais. Yo-jong é candidata à sucessão por vir da dinastia real ‘Kim’, embora ajude o fato de ela mostrar-se muito ansiosa pelo papel de liderança”, observa. O analista afirmou que Jong-un tem um irmão mais velho, por parte de mãe. No entanto, Kim Jong-chook não é considerado candidato por mostrar desinteresse e por ser desprovido da crueldade e da brutalidade necessárias a um líder da Coreia do Norte. Pouco se sabe sobre a personalidade de Yo-jong. “Não sabemos até que ponto as declarações atribuidas a ela foram realmente escritas por Kim Jong-un ou pela irmã. Se ela suceder Jong-un amanhã, precisaria parecer forte e implacável, durante um tempo, para consolidar o comando. Mas, ninguém sabe se ela continuaria com tal comportamento depois que ganhasse o controle do país.”

Pontos de vista

Por Bruce Bennett

Processo de preparação

“Os líderes da Coreia do Norte sempre foram preparados para ganhar a aceitação e a confiança das elites antigas da Coreia do Norte. Como Kim Yo-jong é uma mulher, e os líderes norte-coreanos geralmente são homens, Kim Jong-un precisa demonstrar que ela pode ser forte e implacável, especialmente para que os militares a aceitem. Seu irmão tem trabalhado nisso como parte de seu processo de preparação.”

Especialista em defesa e em Coreia do Norte pela Rand Corporation (Califórnia)

Por Sung-Yoon Lee

Natureza implacável

“O período inicial de liderança na Coreia do Norte sempre foi marcado por expurgos sangrentos e por provocações externas. Kim Il-sung começou a Guerra da Coreia, em junho de 1950, aos 38 anos, dois anos depois de fundar o Estado. Ele matou todas as facções rivais. Os primeiros anos de Kim Jong-il (1994-1998) também tiveram expurgos sangrentos, mísseis sobre o Japão e confrontos marítimos com a Coreia do Sul. Kim Jong-un testou dois mísseis de longo alcance, em 2012, e uma arma nuclear, em fevereiro de 2013, depois de herdar o trono em dezembro de 2011. Seguiram-se expurgos sangrentos. A natureza implacável do regime exige que a irmã seja tão, se não mais, implacável do que os antecessores.”

Professor sul-coreano de direito e diplomacia da Universidade Tufts (em Massachusetts, EUA)