Valor econômico, v. 21, n. 5084, 11/09/2020. Política, p. A8

 

Fux assume STF com defesa da Lava-Jato e da independência do Judiciário

Isadora Peron

Luísa Martins 

Fabio Murakawa

11/09/2020

 

 

Ministro alertou, contudo, que o Supremo “não detém monopólio das respostas”

O novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, tomou posse ontem e, já em seu primeiro discurso, sinalizou que deve adotar uma postura mais independente em relação aos outros Poderes. A fala fez um contraponto ao antecessor, Dias Toffoli, que manteve uma relação próxima aos chefes do Executivo e do Legislativo.

Embora o mundo político aponte que o ex-presidente da Corte foi peça fundamental para evitar um aprofundamento de crises, integrantes da Corte vinham demonstrando incômodo com a situação.

Ao lado do presidente Jair Bolsonaro, Fux afirmou que preservar a harmonia entre os Poderes não significa “contemplação e subserviência” da Corte em relação ao Executivo ou ao Legislativo. A cerimônia também foi acompanhada pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

“Meu norte será a lição mais elementar que aprendi ao longo de décadas no exercício da magistratura: a necessária deferência aos demais Poderes no âmbito de suas competências, combinada com a altivez e vigilância na tutela das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Afinal, o mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”, disse.

Fux também defendeu que os demais Poderes devem buscar resolver seus conflitos políticos nas suas respectivas searas internas e lidar com as suas consequências, sem terceirizar esse protagonismo ao Judiciário. “A intervenção judicial deve ser minimalista em temas sensíveis.”

Segundo o ministro, a chamada judicialização da política tem exposto o Poder Judiciário “a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ter sido decididas no Parlamento”.

“Essa disfuncionalidade desconhece que o Supremo Tribunal Federal não detém o monopólio das respostas - nem é o legítimo oráculo - para todos os dilemas morais, políticos e econômicos de uma nação”, afirmou ele.

Um dos maiores defensores do trabalho da Lava-Jato na Corte, Fux disse que não haverá tolerância com corrupção, nem destruição dos avanços que a sociedade brasileira obteve nos últimos anos com operações policiais. Além de citar o combate aos desvios na Petrobras, ele também lembrou do mensalão.

“Não admitiremos recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção. Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim qualquer condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do direito”, anunciou.

Esse é mais um ponto que contrasta com o antecessor. Durante a sua gestão, Toffoli impôs uma série de derrotas à Lava-Jato. A principal delas foi a derrubada da prisão após condenação em segunda instância. O tema pode voltar à pauta com Fux no comando do STF, já que o ministro é apontado como um juiz mais rígido em matéria penal.

O novo presidente do Supremo também aproveitou seu discurso de posse para se solidarizar com os mais de 120 mil mortos pela covid-19 e disse que nenhum “nome será esquecido”.

Sem citar os embates recentes entre o STF e o governo Bolsonaro, Fux afirmou que, “mesmo no auge da ansiedade coletiva causada pela pandemia, ninguém ousou questionar a legitimidade e a autoridade das respostas da Suprema Corte, com fundamento na Constituição, para as nossas incertezas momentâneas”.

O presidente do STF disse que cabe à Corte assegurar aos brasileiros o exercício de suas liberdades e defendeu que é preciso saber aceitar as diferenças. “É somente através da justaposição entre os diferentes que construímos soluções mais justas para os problemas coletivos. Por isso mesmo, democracia não é silêncio, mas voz ativa; não é concordância forjada seguida de aplausos imerecidos, mas debate construtivo e com honestidade de propósitos”, disse.

Devido à pandemia, a cerimônia de posse sofreu uma série de alterações. Alguns ministros, como Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, não compareceram presencialmente ao plenário. O decano Celso de Mello, que ainda está de licença médica, também não estava presente.

Aos 67 anos, Fux comandará o Judiciário brasileiro pelos próximos dois anos. A ministra Rosa Weber será a vice-presidente.

Coube a Marco Aurélio Mello, segundo ministro mais antigo da Corte, fazer uma breve fala no início da solenidade e mandar um recado a Bolsonaro. “Vossa Excelência foi eleito com mais de 57 milhões de votos, mas é presidente de todos os brasileiros.”